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São Paulo, domingo, 23 de fevereiro de 2003

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DESIGUALDADE

Estudo aponta população equivalente a 83 Guaribas (PI) em áreas de altíssima privação social

SP esconde 400 mil superpobres

Lalo de Almeida/Folha Imagem
Placa indica rua da favela Bananal, na zona sul de SP, região com alto índice de vulnerabilidade


EDNEY CIELICI DIAS
DA REDAÇÃO

A pobreza mais intensa não é necessariamente a mais visível. As áreas de maior vulnerabilidade social da cidade de São Paulo encontram-se distantes das regiões centrais e do olhar público. Do ponto vista urbano, formam um mosaico de miséria dentro do cinturão periférico de exclusão.
As 400 mil pessoas que habitam as regiões com os piores indicadores sociais da cidade não sofrem apenas a privação de bens e serviços. São também vítimas de uma segregação espacial. Estão separadas das regiões mais bem assistidas por extensões de pobreza, em que a oferta de assistência pública é escassa, senão nula.
Essas áreas abrigam uma população equivalente a 83 Guaribas (PI) -cidade com o terceiro pior indicador de desenvolvimento humano do país e que foi escolhida pelo governo federal como uma das primeiras a participar do programa Fome Zero.
O grupo que habita as zonas superpobres de São Paulo apresenta indicadores alarmantes. Possui a maior proporção de crianças de zero a quatro anos (13,7% da população) e alta concentração de jovens de 15 a 19 anos (11,1%).
Sofre também com duas barreiras invisíveis e ainda mais difíceis de transpor: a econômica e a educacional. Entre os chefes dessas famílias, 75,9% ganham até três salários mínimos ao mês. Apenas 19,1% deles têm o ensino fundamental completo e 18,2% nem sequer foram alfabetizados.
De uma maneira geral, essas pessoas ocupam ilegalmente os locais em que moram -concentram-se nas áreas de mananciais e de proteção à natureza. Recebem, portanto, o rótulo de "problema socioambiental".
Entre a Guaribas nordestina e as "Guaribas" paulistanas, há grandes diferenças. O acesso a serviços públicos, particularmente saneamento e educação, é muito maior em São Paulo, assim como as oportunidades de emprego.
As condições ambientais e os sistemas de produção são radicalmente diferentes. Por outro lado, a violência urbana não é uma preocupação no sertão. São privações diversas, mas, em ambos os casos, as áreas representam o que há de pior em seus contextos.

Qual pobreza?
A precariedade da metrópole é diferente da privação sertaneja, mas não é menos relevante. O município de São Paulo abriga 3,06% dos domicílios do país com renda inferior a dois salários mínimos -409 mil famílias vivem com renda em uma escala de zero a R$ 400 ao mês, de acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios de 2001, do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
A questão da pobreza na cidade obviamente não se resume à sua face mais aguda. O Mapa da Vulnerabilidade Social, elaborado pelo CEM-Cebrap (Centro de Estudos da Metrópole do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), identificou áreas em que 3 milhões de paulistanos (29,3% da população) vivem em condição de alta vulnerabilidade. Entre eles, 3,8% formam o grupo descrito acima, cuja privação merece o superlativo "altíssima".
Para a elaboração do mapa, foram consideradas 11 variáveis do Censo 2000, do IBGE. Elas englobam, por exemplo, a idade, a renda, o sexo e a escolaridade do chefe de domicílio e a presença de crianças e jovens na família.
O mapa foi concebido com base nos setores censitários -a menor unidade de análise disponibilizada pelo IBGE-, de modo a fornecer uma avaliação espacial detalhada das características das famílias paulistanas.
Em outras palavras, para identificar os graus de pobreza, foram sobrepostos no mapa os indicadores de privação. Dessa forma, as piores áreas -as superpobres- são aquelas que apresentam mais carências sobrepostas.
Com base nisso, criou-se uma tipificação de oito grupos predominantes nos setores, em uma escala que parte da ausência de privação à altíssima vulnerabilidade.

Perfis
As melhores áreas da cidade estão no eixo centro-sudoeste.
Os distritos Consolação (do qual o bairro de Higienópolis faz parte) e Jardim Paulista (no qual se inclui o Jardim América) possuem apenas setores de nenhuma ou de baixíssima vulnerabilidade.
Em contrapartida, na zona sul da capital, 73,7% dos 244 mil moradores do Jardim Ângela vivem em áreas de alta ou altíssima exclusão. Na zona leste, 73,3% dos 158 mil moradores de Lajeado moram em condições similares.
O Mapa da Vulnerabilidade Social possibilita identificar aspectos específicos da privação. Distritos tradicionais como Belém, Tucuruvi e Ipiranga possuem áreas de baixa vulnerabilidade, mas a presença significativa de pessoas idosas é um fator que deve nortear as ações públicas nessas regiões.
O estudo ressalta relações perversas da estrutura social. As áreas de pior qualidade de vida são justamente as que apresentam as maiores concentrações de crianças e adolescentes.
Nesses locais, as mulheres chefes de domicílio têm a escolaridade mais baixa -apenas 8,2% delas têm oito anos ou mais de escola. No grupo sem privação, 81,6% das chefes mulheres estudaram oito anos ou mais.
Em uma formulação quase geral, faltam condições de desenvolvimento e de inserção social para quem mais necessita delas.


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