São Paulo, quinta-feira, 23 de fevereiro de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CARNAVAL

Paulo Barros, criador das principais polêmicas nos últimos 2 anos pela Unidos da Tijuca, diz que público quer ser surpreendido

"Só luxo não convence mais", diz revelação

LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO

Paulo Roberto Barros Braga, 43, passou parte da sua adolescência no barracão da Beija-Flor, acompanhando Joãosinho Trinta trabalhar. Foi comissário de bordo por 12 anos, mas sua cabeça nunca decolou do Carnaval.
Quando estreou no Grupo Especial, em 2004, na Unidos da Tijuca, Paulo Barros ocupou de supetão o lugar que o ocaso do mestre deixara vago: o de principal criador de surpresas dos desfiles.
Surpreendeu com uma alegoria com 127 pessoas que evocava o DNA. "Era o pior carro da concentração. As pessoas riam dele, riam de mim", lembra. Afinal, a alegoria era só ferro. Tornou-se outra com as pessoas em cima. Essa é uma marca de Barros. "No barracão, meus carros são o desgosto dos fotógrafos", brinca.
Após dois vices, o carnavalesco tenta provar que a inventividade pode superar a eficiência. A Unidos da Tijuca, que desfila na segunda, é um dos principais obstáculos ao tetra da Beija-Flor. "Só luxo não convence mais."
 

Folha - Será seu 3º desfile na Unidos da Tijuca sem patrocínio. É a chave para a liberdade de criação?
Paulo Barros -
Nunca fui contra patrocínio. Sou contra aquilo que já é predeterminado. O patrocínio será bem-vindo a partir do momento em que não me limitar.

Folha - As escolas de samba precisam de patrocínio? A subvenção da Liga das Escolas de Samba (R$ 2,2 milhões neste ano) não basta?
Barros -
Consegui fazer Carnaval e ter ótima colocação só com a subvenção. Dá para fazer, está provado. O dinheiro extra ajuda? Ajuda e muito. Muita coisa cara não aparece, que é a tecnologia.

Folha - As alegorias humanas surgiram para compensar essa falta de patrocínio?
Barros -
Não. Essa solução, a que as pessoas deram o nome de alegoria humana, veio de 2003 no Paraíso do Tuiuti [escola do Grupo de Acesso]. O tema era Portinari, e me deparei com uma tela sobre o espantalho. Comecei a olhar e a multiplicar o espantalho no milharal. Pensei: "Pode ficar legal. Vou uniformizar o movimento deles". Depois, na Tijuca, usei a solução no carro do DNA.
Neste ano será diferente. Eu mudo a concepção do carro a partir das pessoas que estão nele. Não são simplesmente pessoas fazendo coreografias. Tem mais um quê. Senão, seria mais um DNA. Mas não me preocupo muito. O Carnaval se repete há 20 anos.

Folha - Carnaval é uma repetição?
Barros -
Ouço de muita gente: "O Carnaval está chato, não muda, é carro atrás de carro, destaque atrás de destaque, excesso de informação, ninguém entende nada; se abaixar o volume da TV, não sabe quem está passando". Quando cheguei à Tijuca, falei: tenho que seguir outro caminho.

Folha - Carnavalescos como Rosa Magalhães (Imperatriz), Max Lopes (Mangueira) e Renato Lage (Salgueiro) estão se repetindo?
Barros -
Cada um hoje tem o seu estilo, e tem que ter. A Rosa tem um estilo fantástico, o Renato tem um estilo supermoderno, o Max tem o estilo clássico-barroco. O Carnaval fica mais rico assim.

Folha - Joãosinho Trinta disse que a criatividade dos desfiles depende exclusivamente dos carnavalescos. Você concorda?
Barros -
Sim. A arte é única, é de cada um. Aprendi isso com o João. No barracão da Beija-Flor, nos anos 80, ele me dizia: "Temos o cérebro dividido em duas partes: o óbvio e o que a gente não usa. Você tem que procurar usar essa parte que fica parada".

Folha - Estar numa escola sem bicheiro é melhor, pior ou diferente?
Barros -
Não sei, nunca trabalhei com um bicheiro (risos). Mas a classe [dos bicheiros] contribuiu para o Carnaval crescer.

Folha - Foram justas as derrotas para a Beija-Flor de 2004 e 2005?
Barros -
Não perdi para ninguém, só para mim mesmo. Em 2005, perdi um décimo porque erramos em uma alegoria. O carro era muito pesado, com 150 pessoas, e era para elas subirem depois da entrada no setor 1. Foi dada uma contra-ordem pela diretoria para subir antes, o carro não fez a curva. Bateu no gradil, perdeu uma gaiola, a jurada puniu a escola, e bati palmas para ela.

Folha - O tráfico de drogas tem influência nas escolas?
Barros -
De jeito nenhum. Aqui não há. Falo da Tijuca. Há tranqüilidade de trabalho, ambiente.

Folha - A Unidos da Tijuca está pequena para você?
Barros -
Qualquer escola, após algum tempo, fica pequena. Sou um mutante. Trabalhei 12 anos na aviação, parei. Fiz dois anos de arquitetura, parei, não quero voltar. Belas-artes também larguei.

Folha - Então é seu último Carnaval na escola?
Barros -
Na Quarta-Feira de Cinzas eu vou dizer.

Folha - Pobre continua gostando de luxo e intelectual, de miséria, como dizia Joãosinho Trinta?
Barros -
Hoje começa a mudar. O João enriqueceu o Carnaval, mas nunca notaram que ele usava muitos artifícios de criatividade para parecer luxo. Lembro que ele fez em 78 um carro todo de bacias. De longe parecia latão, prata.
Está mudando porque o luxo só não convence. As pessoas querem mais. Querem pagar seu ingresso e ter um pouco mais de alegria, mesmo com o bolso vazio. Querem ser surpreendidas. E a surpresa te causa o quê? Alegria.


Texto Anterior: Garoto de seis anos puxa samba de três gerações
Próximo Texto: Jornalista da Folha participa hoje de bate-papo
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.