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ANÁLISE
Números escondem vidas
LYGIA DE SOUSA VIÉGAS
ESPECIAL PARA A FOLHA
Os dados recentes da educação brasileira atualizam uma
discussão que povoa o mundo
escolar: a reprovação no primeiro ano do ensino fundamental. O número agora apresentado, se analisado apenas
sob o ponto de vista estatístico,
parece pouco: a cada cem crianças, quatro são reprovadas. No
entanto, devemos lembrar que
os números escondem muitas
vidas, pedindo reflexão.
Os caminhos são vários. Sem
pretender esgotar o assunto, sinalizo dois extremos. De um lado, o mais óbvio, e que revela
um traço da cultura escolar em
nossa sociedade: a suposição de
que "é normal que alguns alunos fiquem para trás", cuja consequência no dia a dia é reforçar preconceitos em torno de
alunos, que são, por vezes de
maneira precoce, tratados como "aqueles que não têm condição de aprender".
Com isso, a reprovação é vista como responsabilidade apenas desses alunos, que "não
têm competência intelectual".
Tratados como incapazes,
eles aprendem na escola que lá
não é lugar para eles. No futuro,
muitos dirão "abandonei a escola", sem se dar conta de que
foi a escola que os abandonou.
A estrutura (que acompanha
a história da educação brasileira há décadas quase de forma
intocada) foi um dos motes para a implantação do ensino fundamental de nove anos, que
veio acompanhada da promessa de alfabetizar todas as crianças antes dos sete anos, direito
que faltava aos mais pobres e
que, se supunha, os fazia reprovar logo ao entrar na escola.
No outro extremo, um "novo" aspecto deve compor a leitura desse índice, apontado por
alguns como pequeno: diversos
Estados e municípios implantaram políticas que proíbem a
reprovação, produzindo como
efeito que um número significativo de crianças passa de ano
sem de fato aprender.
Basta olhar com atenção para
notar que menos da metade dos
municípios brasileiros registrou reprovações no primeiro
ano. Assim, os alunos concluem
o ensino fundamental e melhoram a estatística brasileira.
Pelos números, parece um
bom resultado, mas o fato é
que, mesmo dentro das escolas,
eles permanecem excluídos e
abandonados ao próprio azar.
Esses dois extremos da situação apontam para um aspecto
comum: o descompromisso político com a melhoria da escola,
sobretudo quando voltada para
a população mais pobre. Saibamos: em termos de educação,
os números não revelam a realidade! O fato é que ainda temos
muito que avançar.
LYGIA VIÉGAS é mestre e doutora em psicologia escolar pelo Instituto de Psicologia da USP.
Atualmente, coordena o curso de Psicologia da
Faculdade São Bento da Bahia.
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