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São Paulo, domingo, 23 de março de 2003

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DANUZA LEÃO

A guerra

Minha geração não viveu a Segunda Guerra Mundial; durante a do Vietnã, éramos jovens e como jovens estávamos muito ocupados com muitas outras coisas, por isso não acompanhamos o passo a passo que antecedeu a guerra.
Apesar disso, tomamos partido -o certo.
A guerra atual, se fosse um filme, seria sobre o cinismo dos poderosos e sua capacidade de distorcer as verdades, mentindo descaradamente; a visão dos falcões de Bush -com seus olhinhos pequenos, juntos e inexpressivos, aquela turma dura que se reúne para rezar antes de planejar a violação das leis- e a imagem dos iraquianos vistos pela televisão deixando as cidades para escapar da matança, tão pobres e desamparados quanto os habitantes de nossas mais pobres regiões, levando tudo o que possuem na vida em duas sacolas ou em pequenas caixas, tem sido desoladora.
Não dá para não pensar: como deve ser a chegada de Donald Rumsfeld em casa?
Será que passa a mão na cabeça do filho e ensina, como todo pai, que as leis existem, que temos a obrigação de cumpri-las, que a compaixão pelos inocentes e indefesos, mesmo sendo de um país longínquo, é obrigação, sobretudo, dos que estão no poder?
Aquele orangotango, o porta-voz Ary Fleischer, me intriga. Será que sua mulher, depois de vê-lo na televisão, recebe o marido carinhosamente, com um abraço e um beijo, põe um CD para tocar e diz que teve saudades dele? E os generais, os criativos generais que deram nome a algumas divisões que fazem estremecer até os corações mais duros, como "Operação Decapitação", "Ratos do Deserto", "Águias que Gritam" e a mais apavorante, a "Delta"? Desta fazem parte soldados treinados há anos, "todos os minutos dos sete dias da semana", para caçar e matar Saddam Hussein, seus filhos e as lideranças militares do Iraque. Mas isso não é assassinato? É. E então? Pois é. Além disso, fazem escuta telefônica, e a imprensa americana -tirando alguns comentaristas- faz vista grossa sobre todos esses crimes. Mas afinal, que gente é essa? E Condoleezza Rice, o que a fez tão dura e tão cruel? Aquele professor de Viena -Freud- faria esse diagnóstico com um pé nas costas, ah, isso faria.
Agora o chefão, Bush. Para quem ignora: o presidente é alcoólatra e deixou de beber depois de frequentar o AA -Alcoólatras Anônimos. Segundo o AA, os dependentes de álcool, mesmo que passem o resto da vida sem tocar em bebida, continuam sendo alcoólatras, pois o alcoolismo é uma doença -como o diabetes, por exemplo. Alguns de seus sintomas são a síndrome da grandiosidade e da onipotência, e o dependente deve, para o resto da vida, frequentar as reuniões com uma certa regularidade. É sabido que Bush nunca mais foi a uma dessas reuniões e pode estar passando por uma fase conhecida como "porre seco", que é se comportar como se estivesse alcoolizado, mesmo sem beber uma só gota. Coitada da mulher do Bush. Coitado do mundo.
O papa foi -sem trocadilho- divino, quando pediu que o presidente Bush não falasse mais em nome do Senhor; a nós, pessoas comuns, só resta sofrer diante da televisão, com a consciência de que estamos sendo testemunhas de um momento histórico -apesar de lamentável- que poderá transformar o mundo.
Como já passamos da idade de ir para a porta da embaixada americana queimar bandeiras, podemos nos revoltar tomando uma atitude que não vai resolver nada, mas que não deixa de ser uma atitude.
Pode ser infantil, mas Coca-cola nunca mais.

E-mail - danuza.leao@uol.com.br


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