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São Paulo, domingo, 23 de março de 2003

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FAVELAS DO RIO

Melhorias não seriam antídoto contra crime

Investimento social sem polícia não diminui poder do tráfico

ANTÔNIO GOIS
DA SUCURSAL DO RIO

O investimento público nas favelas do Rio não foi capaz de diminuir o poder do tráfico nessas comunidades. Para especialistas ouvidos pela Folha, a experiência carioca desmonta a tese simplista, mas ainda muito difundida, de que a ausência do Estado na área social é responsável pelo aumento do poder do tráfico de drogas.
Desde 1994 até hoje, a prefeitura investiu US$ 600 milhões no programa Favela-Bairro, que urbanizou ou está urbanizando 138 comunidades, com iluminação, asfalto, creches e postos de saúde.
Os dados do Censo 2000 do IBGE mostram que a tese da completa ausência do poder público nas favelas é equivocada. Segundo o instituto, a porcentagem de domicílios com abastecimento de água, rede de esgoto e coleta de lixo nas favelas da Rocinha (zona sul), Complexo da Maré (zona norte) e Complexo do Alemão (zona norte), as maiores do Rio, é superior a 90%, um indicador melhor do que a média das regiões Norte ou Nordeste.
De 1996 a 2000, segundo o Instituto Pereira Passos (da Prefeitura do Rio), o número de moradores por domicílio nas favelas cariocas caiu de 3,71 para 3,17, o que significa que as condições de moradia melhoraram, já que há menos pessoas no mesmo espaço.
Apesar das melhorias, no mesmo período o poder do tráfico aumentou, como demonstraram as ações ousadas que ordenaram o fechamento do comércio em toda a cidade em 2002 e no mês passado. Outro indicador é o de armas apreendidas: em 1994, foram 3.500, contra 14.363 em 2002.
Para os especialistas ouvidos pela Folha, é preciso repensar a estratégia de intervenção do poder público ao mesmo tempo em que se constata que é inevitável o aumento da presença da polícia.
"O Favela-Bairro cria as condições para a segurança pública. Mas, se não houver polícia, assim como aconteceria em Ipanema ou Leblon [zona sul], não haverá segurança. Sem o Favela-Bairro, no entanto, não haveria condição de acessibilidade e mobilidade em alguns morros", afirma o prefeito do Rio, Cesar Maia (PFL).
A presença do tráfico em comunidades carentes acontece até em novos conjuntos habitacionais, como o Nova Sepetiba (zona oeste), maior empreendimento habitacional do ex-governador Anthony Garotinho (PSB) no Rio.
"A melhoria das condições habitacionais com a oferta de serviços públicos em muito contribui para que a população opte pelo caminho correto, mas sabemos que isso não basta", diz o secretário de Estado de Habitação do Rio, Fernando Avelino.
Para o presidente do BNDES, Carlos Lessa, é preciso combinar inclusão social com repressão policial. "Os poderes da cidade ainda param na fronteira das drogas. Precisa haver posto policial e aparelho de segurança na favela."
O geógrafo Jailson de Souza, professor da Universidade Federal Fluminense, critica a forma de intervenção pública. "O discurso da ausência do poder público e da favela como lugar onde só há carências não é verdadeiro e cria uma visão estereotipada. A favela também tem sua diversidade. Há famílias que estão mais em risco do que outras e que deveriam ser o foco das ações. As distinções econômicas, sociais e culturais têm que ser levadas em conta."
O antropólogo inglês Luke Dowdney, autor de um livro sobre crianças que trabalham no tráfico no Rio, concorda com Souza. "É verdade que existem postos de saúde, escolas e outros serviços públicos. O problema é que esse investimento não tem a mesma qualidade do realizado em outras áreas. Além disso, um dos principais braços do poder público, a polícia, não está presente. Tanto que, quando os policiais entram numa comunidade, usam o termo invasão ou ocupação", afirma Dowdney.
A necessidade de criar políticas públicas que gerem renda e dêem perspectivas de ascensão social é citada por Lessa, Souza e Dowdney. "No tráfico, um jovem sabe que, começando como olheiro, poderá subir na hierarquia. Se trabalhar como office-boy, pode continuar a vida toda na mesma função", diz Dowdney.
A ex-secretária municipal de educação do Rio, Regina de Assis, cobra também mais participação da sociedade no apoio às escolas. "A escola é a última trincheira civilizatória dentro dessas áreas de risco", afirma.


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