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Caveira motivacional
Como as regras do Bope viraram tema de palestras aplicadas ao dia-a-dia de grandes empresas
MAELI PRADO
DA REVISTA DA FOLHA
"Tropa de elite, osso duro de
roer, pega um, pega geral, também vai pegar você." Os versos
da trilha sonora de um dos filmes brasileiros mais vistos e
comentados dos últimos tempos ecoam no pequeno auditório da sede da seguradora Unibanco AIG, em um casarão da
avenida Brasil, em São Paulo.
São 20h de uma quinta-feira,
28 de fevereiro, quando o "caveira 69", Paulo Storani, 45, ex-capitão do Bope (Batalhão de
Operações Especiais), é anunciado à platéia. Um slide com a
frase "Construindo uma Tropa
de Elite" esclarece o motivo do
improvável encontro de mundos: um ex-policial do grupo de
operações especiais da Polícia
Militar do Rio e vendedores de
seguro.
Sob aplausos, o palestrante
entra na sala repleta e grita:
"Caveira!". Storani, que está se
convertendo em estrela do segmento motivacional, recebe de
volta, em uníssono, a saudação,
típica dos oficiais do batalhão.
Entre os 60 ouvintes, estão
clientes e funcionários da quarta maior seguradora do país.
Poucas mulheres, todas de tailleur e salto alto, arriscam-se
no ambiente masculino.
Storani veste terno e gravata
como sua platéia, mas fala e age
como um líder do Bope, corporação onde trabalhou por três
anos e que abandonou há dez.
Depois de um rápido preâmbulo, o palestrante chega ao ponto: "Você é um operação especial ou é um convencional na
sua atividade? O convencional
é o invertebrado, é quem desmonta no primeiro tiro ou na
primeira meta [de vendas]".
Storani inflama a platéia com
a terminologia usada pelos policiais no filme. "E quem não
está satisfeito...", provoca ele. O
público reage: "Pede pra sair!"
Àquela altura, uma hora depois do início, a audiência está
bem familiarizada com as lições de Storani. Seu manual
evoca paralelos entre as regras
do batalhão e as do mundo corporativo: naquele contexto, o
jargão do Bope "missão dada é
missão cumprida" ganha a conotação de "meta dada é meta
cumprida". "Vá e vença" vira
"Vá e venda". Alguns riem, um
pouco constrangidos. Muitos
balançam a cabeça em sinal de
concordância.
Por volta das 21h30, o "grand
finale". Liderados pelo palestrante, todos gritam: "Eu sou
caveira!". As cenas presenciadas pela reportagem viraram
rotina na vida de Storani. Ele
começou a dar palestras motivacionais em outubro e está
com a agenda lotada até maio.
Nesse ramo, os cachês variam
de R$ 5.000 a R$ 10 mil.
O ex-capitão do Bope já falou
para funcionários de bancos, de
montadoras, de indústrias das
áreas têxtil e de tecnologia. Virou guru de executivos. "O conceito de superação de limites e
de encarar as adversidades com
naturalidade pode ser aplicado
à iniciativa privada", afirma
Storani, mestrando em antropologia com dissertação sobre
o Bope. Ele ainda concilia a
agenda de palestrante com o
cargo de secretário de Segurança Pública de São Gonçalo, município do Rio de Janeiro.
Pedindo para sair
Os mais empolgados levam
os conceitos para dentro das
empresas. "Quando alguém
consegue bater a meta, faz no
computador um bonequinho
com a caveira do Bope e manda
por e-mail", conta Patrícia Olivani, 36, gerente de vendas do
Unibanco AIG.
Gustavo Rosset, 33, diretor
comercial da Rosset Têxtil,
proprietária de marcas como a
Valisère e Cia. Marítima, foi
além: "Na empresa, a gente
agora só se chama por número
[como no filme]", afirma.
Rosset conta que depois da
palestra de Storani dois funcionários "pediram pra sair". "Um
[pediu pra sair] três dias depois
da palestra e outro 15 dias depois, porque viram que o bicho
ia pegar", diz o diretor e herdeiro da Rosset Têxtil, maior grupo nacional em tecido de lycra,
com 3.000 funcionários.
O empresário mandou colocar, na sede da empresa, em São
Paulo, banners pretos com a caveira do Bope e dizeres como
"Missão dada é missão cumprida". "Temos que tirar as pessoas da zona de conforto", afirma Rosset.
O discurso de André Rutowitsch, 36, diretor-executivo
da Unibanco AIG, vai em outra
direção. "Todos os anos contratamos vários palestrantes para
falar com os nossos clientes,
sempre voltados para esse lado
motivacional. Nos últimos
anos, tivemos o Bernardinho
[técnico da seleção brasileira
de vôlei] e agora trouxemos o
Storani", afirma. "Ele é alguém
que fala de liderança, de trabalho em equipe, e fala do batalhão de uma forma alegórica.
Buscamos o tempo todo que
não haja uma associação muito
direta com o filme."
O executivo afirma que a
pressão sobre os profissionais
existe em toda empresa privada. "Quando existem metas a
serem cumpridas há uma pressão inerente ao negócio."
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