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GILBERTO DIMENSTEIN
Por que não comemoro a descoberta do Brasil
Uma minoria dos jovens brasileiros, mesmo das camadas mais
abastadas, costuma ler sempre
jornal. Apenas 19% na chamada
classe A e B, na qual se localiza,
supostamente, a futura elite dirigente.
Quando se investiga, entre os já
reduzidos leitores, suas áreas de
interesse, aparece, em primeiro
lugar, esportes, seguido de notícias da cidade e TV/cinema.
Entre as lanterninhas do interesse do jovem está política- o
que, na prática, significa baixo
interesse pela coisa pública, revelando alienação.
Ao chegar a seus 500 anos, o
Brasil produziu uma geração cética e cínica, vítima de um salve-se-quem-puder.
Pesquisa concluída na semana
passada pela CPM Research ouviu 2.098 jovens das principais capitais brasileiras -São Paulo,
Rio, Porto Alegre, Belo Horizonte,
Recife, Salvador e Brasília. A
idéia era captar os pensamentos e
os sentimentos dos jovens neste final de século e milênio, coincidindo com os 500 anos da chamada
descoberta.
Ao serem indagados sobre o que
o Brasil tinha de pior veio, primeiro, desemprego e, em segundo, políticos corruptos.
Político corrupto ficou na frente, por exemplo, da violência, a
praga das grandes cidades.
De 100% dos entrevistados, 96%
disseram que político brasileiro
"não é de confiança", 95% os classificam de desonestos e injustos,
92% dizem que eles são insensíveis com os outros e, para 90%,
eles são irresponsáveis.
O jovem acha que o desemprego é
o maior problema brasileiro,
aposta no estudo para sobreviver
e imagina que sua prosperidade
depende de uma saída exclusivamente individual - o Brasil não
é, portanto, uma nação, mas um
aglomerado de seres dispersos em
seus interesses, ameaços pelo
abandono público.
Esse desolador retrato da mentalidade de uma geração está fincado na percepção generalizada
da impunidade e na convicção de
que o país poderia estar muito
melhor se os homens públicos fossem mais sérios. Em essência, é
verdade mesmo.
Somos, em boa medida, indigentes por causa da exploração
portuguesa - uma indigência
depois vitaminada pelos nativos,
que comportam-se como exploradores. Herdamos uma servilidade
diante do que vinha do exterior
-e pouquíssimo apreço aos
ideais de inclusão social, o que explica a esquálida educação pública.
Esses níveis de delinquência pública só se explicam porque o eleitor é incapaz de analisar, com base, propostas e perfis dos candidatos. E, depois, acompanhar seu
desempenho.
Não vejo, assim, motivo para comemorar os 500 anos de descoberta.
A começar pelo fato de que,
quando os europeus doentes e
malcheirosos chegaram ao Brasil,
encontraram seres várias vezes
mais civilizados. No período da
descoberta, Portugal estava no
auge da Inquisição, um dos picos
da ignorância humana.
Aquelas naus trouxeram ao
Brasil infecções de quem não tinha hábitos de higiene. Ao contrário dos índios, acostumados a
banhos de rio.
A expressão descoberta já é
uma empulhação, uma mentira.
Dividiu-se o país em capitanias
hereditárias, cravando na mentalidade nacional um patrimonialismo e uma sensação de que a
coisa pública é privada.
Cada ciclo econômico que poderia reverter em desenvolvimento
alimentou a Corte.
Não vai, aqui, nenhum problema com os portugueses, mas com
a forma como fomos colonizados,
proibidos por muito tempo de ter
imprensa.
Vamos carregando a herança patrimonialista, com políticos que
não sabem direito onde começa o
interesse público e o privado, com
a escravidão, com suas marcas de
exclusão, com o desprezo pelos
mais fracos, com a mitificação de
bandoleiros que atacavam índios
e negros, classificados como pioneiros.
Os 500 anos servem como momento de reflexão sobre o que poderíamos ser e não somos. E o que
podemos ser. Mas não de comemoração.
Pesquisa Datafolha, publicada
hoje, traz um retrato irretocável
de nossa alienação, outra face da
ignorância: 64% acham que o
Brasil é um país ótimo ou bom
para morar.
Com esse nível de violência, desemprego, saúde e educação pública, o Brasil pode ser qualquer
coisa, menos ótimo e bom para
morar. Nem para os mais ricos.
PS - A boa mentalidade. Indagados na pesquisa CPM sobre como
se arruma o Brasil, os jovens colocaram, pela ordem, "trabalho para todos", educação e honestidade. Apenas ínfimos 6% disseram
que o país não tinha jeito. E 2%
pediam pela ditadura.
Como mostra a pesquisa Datafolha de hoje, os fracassos não
abalaram o orgulho: 87% têm orgulho de ser brasileiros.
A maioria (59%) acredita que o
Brasil vai melhorar.
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