São Paulo, domingo, 23 de abril de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CAMINHO INVERSO

Pesquisa mostra que em 2004, pela 1ª vez, mais pessoas saíram do Estado rumo à região do que o contrário

Nordestinos deixam SP e migram de volta

LUCIANA CONSTANTINO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Consolidado nas últimas décadas na posição de Estado que recebia o maior volume de migrantes, São Paulo já não é mais tão receptivo aos nordestinos como nos anos 80 e 90. O reflexo disso é que, pela primeira vez, houve em 2004 mais pessoas deixando o Estado rumo ao Nordeste do que fazendo o caminho inverso.
Em números, significa que ele "perdeu" cerca de 457 mil pessoas para o Nordeste (a maior parte tem até 45 anos) e recebeu outras cerca de 400 mil da região.
Alguns dados explicam o que está sendo chamado de "migração de retorno". Com uma escolaridade média de 7,1 anos -bem abaixo dos migrantes de outros Estados e dos paulistas-, os nordestinos que vivem em São Paulo nos últimos cinco anos enfrentam taxa de desemprego de 18,3%, praticamente o dobro da média nacional. O índice é maior até que os 12,5% entre os residentes no Nordeste vindos de São Paulo.
E, se superada a dificuldade em conseguir emprego, o nordestino normalmente preenche uma vaga com salário baixo. Um terço trabalha na construção civil ou em serviços domésticos. Além disso, 67% ganham até um salário mínimo, hoje em R$ 350.
A conseqüência disso é a volta para a região de origem de chefes de família com seus filhos e cônjuges, sendo a maioria jovens.
"Ao invés do que se imagina, não são os idosos, mas sim os jovens que estão voltando. É claramente um problema de inserção no mercado de trabalho", diz o pesquisador Herton Ellery Araújo, do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), responsável por esmiuçar os dados.
"A diferença de oportunidades no Nordeste e em São Paulo antes era tão grande que qualquer coisa atraía o nordestino. Hoje ele já pára para pensar, porque São Paulo não está tão receptivo."
A redução de oportunidades em São Paulo havia sido detectada, por exemplo, pela economista Sônia Rocha, do Iets (Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade). Pesquisa feita por ela apontou aumento na proporção de pobres na região metropolitana de São Paulo, com a inclusão de 214 mil pessoas na faixa de pobreza, indo no sentido contrário à tendência do país. A fraca geração de postos de trabalho e a alta do custo de vida estão entre as causas desse empobrecimento.
Já as oportunidades de emprego e qualidade de vida no Nordeste, apesar de ainda ficarem abaixo do Sul e do Sudeste, melhoraram nos últimos anos, com programas de transferência de renda e abertura de empresas, por exemplo.
A novidade do trabalho do pesquisador do Ipea é apontar as características desses migrantes. Araújo usou os números da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) de 2004, a última divulgada pelo IBGE, para fazer essa análise. Comparou também com os migrantes que já voltaram ao Nordeste há cinco anos.
Detectou que a maior parte dos que retornaram tem até 45 anos, ou seja, são pais levando junto os filhos jovens. A escolaridade também é menor -6,4 anos de estudo. "Os grupos de menor escolaridade não conseguem se enquadrar. Têm dificuldades para achar vaga no mercado de trabalho e acabam voltando", diz.
Quando voltam, porém, conseguem ocupar mais vagas na indústria do que os residentes no Nordeste há mais de cinco anos. "Ao migrar, eles aprendem mais. Talvez tenham até mais condições de serem empreendedores do que os que ficaram", avalia.
Segundo ele, outro fator que pode estar contribuindo para a "migração de retorno" são políticas adotadas por prefeituras dando dinheiro ou passagem para que o migrante volte à sua cidade.
Para mostrar os principais fluxos migratórios do país, Araújo usou um mapa montado pelo demógrafo José Marcos Pinto da Cunha, do Núcleo de Estudos de População da Unicamp. Por meio dele, é possível detectar que a migração entre os Estados do Nordeste também é alta. A partir desse novo quadro migratório, é possível constatar uma redistribuição regional da população pobre.
Estados como Maranhão e Roraima, por exemplo, registraram aumento de 13% e 32%, respectivamente, da população pobre, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento Social. Em contrapartida, Santa Catarina e Paraná tiveram queda de 21% e 20%.
Esse novo quadro, inclusive, está levando o governo federal a discutir internamente as estratégias do Bolsa-Família, que repassa hoje de R$ 15 a R$ 95 mensais a 9 milhões de famílias. Chegará a 11,1 milhões até junho, perto da meta inicial, porque houve reajuste de R$ 100 para R$ 120 no limite de renda por pessoa para que uma família seja incluída no programa.

Custo de vida
A baiana Leide Bárbara da Silva, 25, sonhava em melhorar de vida, mas "quebrou a cara", como ela própria define. "A vida aqui é difícil. Todo mundo fala que é a terra da oportunidade, mas não é não", diz ela, que morava em Ubatuba (no litoral norte de SP). Na sexta-feira, ela voltou para o Nordeste com o marido, o eletricista Welington Ribeiro, 36.
Decepcionada, Leide diz que não vem mais para São Paulo. "O dinheiro que ganhamos lá [na Bahia] dá para viver. Aqui o custo de vida é muito alto", afirma.
O marido, que morou 15 anos entre os paulistas, conta que chegou a viver bem no Estado. Comprou casa e pagou escola particular para dois filhos. "Depois de um tempo, começou a faltar emprego. Tive de trabalhar como autônomo e ficou difícil sobreviver."


Colaborou LUÍSA BRITO, da Reportagem Local

Texto Anterior: Mortes
Próximo Texto: Memória: Prefeitura paga até R$ 5.000 para tirar sem-teto de SP
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.