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CAMINHO INVERSO
Pesquisa mostra que em 2004, pela 1ª vez, mais pessoas saíram do Estado rumo à região do que o contrário
Nordestinos deixam SP e migram de volta
LUCIANA CONSTANTINO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Consolidado nas últimas décadas na posição de Estado que recebia o maior volume de migrantes, São Paulo já não é mais tão receptivo aos nordestinos como nos
anos 80 e 90. O reflexo disso é que,
pela primeira vez, houve em 2004
mais pessoas deixando o Estado
rumo ao Nordeste do que fazendo
o caminho inverso.
Em números, significa que ele
"perdeu" cerca de 457 mil pessoas
para o Nordeste (a maior parte
tem até 45 anos) e recebeu outras
cerca de 400 mil da região.
Alguns dados explicam o que
está sendo chamado de "migração de retorno". Com uma escolaridade média de 7,1 anos -bem
abaixo dos migrantes de outros
Estados e dos paulistas-, os nordestinos que vivem em São Paulo
nos últimos cinco anos enfrentam
taxa de desemprego de 18,3%,
praticamente o dobro da média
nacional. O índice é maior até que
os 12,5% entre os residentes no
Nordeste vindos de São Paulo.
E, se superada a dificuldade em
conseguir emprego, o nordestino
normalmente preenche uma vaga
com salário baixo. Um terço trabalha na construção civil ou em
serviços domésticos. Além disso,
67% ganham até um salário mínimo, hoje em R$ 350.
A conseqüência disso é a volta
para a região de origem de chefes
de família com seus filhos e cônjuges, sendo a maioria jovens.
"Ao invés do que se imagina,
não são os idosos, mas sim os jovens que estão voltando. É claramente um problema de inserção
no mercado de trabalho", diz o
pesquisador Herton Ellery Araújo, do Ipea (Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada), responsável por esmiuçar os dados.
"A diferença de oportunidades
no Nordeste e em São Paulo antes
era tão grande que qualquer coisa
atraía o nordestino. Hoje ele já pára para pensar, porque São Paulo
não está tão receptivo."
A redução de oportunidades em
São Paulo havia sido detectada,
por exemplo, pela economista Sônia Rocha, do Iets (Instituto de
Estudos do Trabalho e Sociedade). Pesquisa feita por ela apontou aumento na proporção de pobres na região metropolitana de
São Paulo, com a inclusão de 214
mil pessoas na faixa de pobreza,
indo no sentido contrário à tendência do país. A fraca geração de
postos de trabalho e a alta do custo de vida estão entre as causas
desse empobrecimento.
Já as oportunidades de emprego
e qualidade de vida no Nordeste,
apesar de ainda ficarem abaixo do
Sul e do Sudeste, melhoraram nos
últimos anos, com programas de
transferência de renda e abertura
de empresas, por exemplo.
A novidade do trabalho do pesquisador do Ipea é apontar as características desses migrantes.
Araújo usou os números da Pnad
(Pesquisa Nacional por Amostra
de Domicílios) de 2004, a última
divulgada pelo IBGE, para fazer
essa análise. Comparou também
com os migrantes que já voltaram
ao Nordeste há cinco anos.
Detectou que a maior parte dos
que retornaram tem até 45 anos,
ou seja, são pais levando junto os
filhos jovens. A escolaridade também é menor -6,4 anos de estudo. "Os grupos de menor escolaridade não conseguem se enquadrar. Têm dificuldades para achar
vaga no mercado de trabalho e
acabam voltando", diz.
Quando voltam, porém, conseguem ocupar mais vagas na indústria do que os residentes no
Nordeste há mais de cinco anos.
"Ao migrar, eles aprendem mais.
Talvez tenham até mais condições
de serem empreendedores do que
os que ficaram", avalia.
Segundo ele, outro fator que pode estar contribuindo para a "migração de retorno" são políticas
adotadas por prefeituras dando
dinheiro ou passagem para que o
migrante volte à sua cidade.
Para mostrar os principais fluxos migratórios do país, Araújo
usou um mapa montado pelo demógrafo José Marcos Pinto da
Cunha, do Núcleo de Estudos de
População da Unicamp. Por meio
dele, é possível detectar que a migração entre os Estados do Nordeste também é alta. A partir desse novo
quadro migratório, é possível
constatar uma redistribuição regional da população pobre.
Estados como Maranhão e Roraima, por exemplo, registraram
aumento de 13% e 32%, respectivamente, da população pobre, segundo dados do Ministério do
Desenvolvimento Social. Em contrapartida, Santa Catarina e Paraná tiveram queda de 21% e 20%.
Esse novo quadro, inclusive, está levando o governo federal a discutir internamente as estratégias
do Bolsa-Família, que repassa hoje de R$ 15 a R$ 95 mensais a 9 milhões de famílias. Chegará a 11,1
milhões até junho, perto da meta
inicial, porque houve reajuste de
R$ 100 para R$ 120 no limite de
renda por pessoa para que uma
família seja incluída no programa.
Custo de vida
A baiana Leide Bárbara da Silva,
25, sonhava em melhorar de vida,
mas "quebrou a cara", como ela
própria define. "A vida aqui é difícil. Todo mundo fala que é a terra
da oportunidade, mas não é não",
diz ela, que morava em Ubatuba
(no litoral norte de SP). Na sexta-feira, ela voltou para o Nordeste
com o marido, o eletricista Welington Ribeiro, 36.
Decepcionada, Leide diz que
não vem mais para São Paulo. "O
dinheiro que ganhamos lá [na Bahia] dá para viver. Aqui o custo de
vida é muito alto", afirma.
O marido, que morou 15 anos
entre os paulistas, conta que chegou a viver bem no Estado. Comprou casa e pagou escola particular para dois filhos. "Depois de
um tempo, começou a faltar emprego. Tive de trabalhar como autônomo e ficou difícil sobreviver."
Colaborou LUÍSA BRITO,
da Reportagem Local
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