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GILBERTO DIMENSTEIN
Grito de independência
Está sendo arquitetada uma
mobilização cujo resultado
final será a ampliação do conceito de nação independente. Pela
influência das pessoas envolvidas,
esse movimento talvez seja um
dos fatos novos não só das eleições
deste ano mas da construção de
políticas públicas no país.
A idéia de independência está
associada à autonomia das nações e à proteção de suas riquezas
contra interferências estrangeiras. A morte de Tiradentes, lembrada na sexta-feira, simboliza
uma revolta contra a cobiça dos
portugueses ao ouro e ao diamante do Brasil. Não por acaso, o governo federal escolheu a proximidade do 21 de abril para anunciar
nossa auto-suficiência em petróleo. É fácil entender a independência quando falamos em petróleo, ouro e diamantes. Afinal, são
riquezas visíveis, palpáveis.
Mas até que ponto um país em
que a maioria de seus habitantes
não consegue ler e entender um
texto com o mínimo de complexidade -o que os impede de analisar criticamente propostas de
candidatos ou até mesmo exercer
seus direitos básicos- pode ser
considerado de fato independente? Pode até ser formalmente, mas
seus habitantes não o são -essa é
a provocação que se prepara para
o próximo mês de setembro, durante o lançamento de um manifesto no espaço simbólico do Museu do Ipiranga.
Até lá, aposta-se que milhares
das mais importantes personalidades brasileiras, representando
de entidades trabalhistas a empresariais, passando por reitores,
acadêmicos, esportistas e políticos, tenham assinado um documento com metas detalhadas até
2022 (bicentenário da independência), para que o brasileiro
rompa o ciclo da ignorância.
As conversas de bastidores se
iniciaram em agosto do ano passado e envolvem personagens como Jorge Gerdau, Jorge Paulo Lemann, José Roberto Marinho,
Luis Norberto Paschoal, Ana Maria Diniz, Milú Villela, Viviane
Senna, além de altos executivos
de alguns dos maiores bancos e de
empresas. Encomendou-se uma
pesquisa com 61 especialistas em
educação brasileira para que se
montasse um projeto de longo
prazo.
Com base nesse mapa estratégico, um encontro reuniu na semana passada, em São Paulo, altos
funcionários de diferentes governos, a começar do federal, dirigentes de entidades não-governamentais, dirigentes de entidades
que representam secretários estaduais e municipais de todo o país,
além da Unesco e do Unicef.
A idéia é fazer o país monitorar
indicadores como quantidade de
crianças fora da escola, média de
hora-aula, provas de conhecimento aplicadas nas redes estaduais e municipais (Saeb, Enem),
órgãos colegiados na escola, assim como se monitoram os saldos
da balança comercial, os números de emprego, da inflação ou da
produção de petróleo.
Estabelecidos os indicadores, o
movimento se propõe a mobilizar
permanentemente a sociedade,
estimular a continuidade de políticas públicas que melhorem a
qualidade do ensino e valorizar
as boas práticas. A mobilização
começa nestas eleições, com um
pedido de compromisso dos candidatos a presidente, governador,
deputado e senador.
A aposta é que, com o tempo, as
pessoas percebam o conhecimento como uma riqueza superior à
do petróleo. A Petrobras é, em essência, um caso educacional. A
auto-suficiência tão sonhada só
foi atingida devido à formação de
técnicos qualificados e a investimentos pesados em conhecimento
para exploração em águas profundas. Produziram engenheiros
de reputação mundial. Tudo começou com um sonho de um dos
mais importantes educadores
brasileiros: Monteiro Lobato, que,
através de suas pregações e de algumas de suas histórias infantis,
trouxe para o imaginário nacional a conquista do petróleo. Ele
próprio investiu em prospecção.
Dele é a frase de que um país se
faz de homens e livros.
Esse segundo sonho dele -o
dos livros- é muito mais complexo. Somos uma nação que herdou
da escravidão uma baixa reverência à inclusão. Não aprendemos a reverenciar a democratização do conhecimento; prova disso
é o baixo envolvimento das famílias no aprendizado dos filhos.
Para piorar, estamos acostumados a pensar a curto prazo, o que
se reflete na descontinuidade das
ações administrativas -uma
praga cujo efeito é pior do que a
corrupção.
O problema, porém, é que, assim como a escravidão acabou
porque não fazia sentido nem
moral nem econômico, a deseducação tem de ser enfrentada porque impede o desenvolvimento
coletivo numa era marcada pela
rápida inovação tecnológica com
base na informação. Daí que o
movimento pela melhoria da
educação para todos só tem comparação na história das conquistas da cidadania brasileira com a
abolição da escravatura. Como a
ignorância é uma forma de escravidão, a independência se conquista não só debaixo do solo mas
dentro das cabeças -é aí que reside a energia de uma nação.
P.S. - Monteiro Lobato era um
dos entusiastas de um dos movimentos de maior lucidez de toda
a história brasileira, que resultou
no "Manifesto dos Pioneiros da
Educação", escrito em 1932. Assim começa o texto: "Na hierarquia dos problemas nacionais,
nenhum sobreleva em importância e gravidade ao da educação.
Nem mesmo os de caráter econômico lhe podem disputar a primazia nos planos de reconstrução
nacional". Talvez, apenas agora,
o país esteja preparado para entendê-lo. Coloquei a íntegra desse
extraordinário texto em meu site
(www.dimenstein.com.br).
@ - gdimen@uol.com.br
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