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Para o governo, aéreas têm de indenizar vítima do apagão
Morishita, do departamento de proteção ao consumidor, diz que companhias, ao receberem concessão, sabem que precisam seguir regras
Diretor do Ministério da Justiça diz que, não importa a causa, empresas têm dever da assistência
ELIANE CANTANHÊDE
COLUNISTA DA FOLHA
Aviso aos passageiros prejudicados ao longo do apagão aéreo: além de entrarem na Justiça por danos patrimoniais ou
morais, podem também exigir
ressarcimento das empresas
aéreas por tratamento inadequado nos aeroportos.
O aviso é do diretor do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor do Ministério da Justiça, Ricardo Mo
rishita, 37, lembrando que o
"dever de assistência" previsto
pelo Código Brasileiro de Aeronáutica é claro: a responsabilidade pelo transporte, alimentação e hospedagem quando há
mais de quatro horas de atraso
é das companhias, independentemente das causas.
Abaixo, os principais trechos
da entrevista à Folha:
FOLHA - O apagão aéreo se repetiu
várias vezes, com pane em rádio e
no sistema, operação-padrão, greve
de controladores e, por fim, também da Polícia Federal. Vai ficar por
isso mesmo?
RICARDO MORISHITA - Há duas situações. A primeira é a da responsabilidade pelos danos que
os consumidores sofreram,
tanto de natureza material
quanto moral, e que deve ser
discutida na Justiça, por meio
de ações, sejam individuais, sejam coletivas. Por exemplo: o
consumidor tem um compromisso, uma viagem de negócios, vai dar uma palestra, vai
fechar um contrato e não consegue chegar. Isso é um dano
que ele sofreu. Ele vai para o casamento de um filho, para a festa de aniversário da mãe, para
um enterro de um ente querido
e não consegue chegar. Isso é
um dano de natureza moral.
Nesses dois casos, ele tem direito de entrar na Justiça.
FOLHA - Há ações em curso?
MORISHITA - Já há, por exemplo,
em São Paulo, onde o Procon
ajuizou uma ação coletiva, e no
Distrito Federal, pelo Instituto
Brasileiro de Estudos e Defesa
de Relações de Consumo.
FOLHA - E as pessoas que não perderam nada objetivamente, mas
passaram horas jogadas pelos bancos e até pelo chão dos aeroportos?
MORISHITA - Pois é. É por isso
que comecei falando em duas
situações. Essa outra está prevista no Código Brasileiro de
Aeronáutica e é o chamado "dever de assistência". Todas as vezes, e não importa a causa, não
importa a origem, que houver
um cancelamento ou um atraso
superior a quatro horas, há um
dever das companhias aéreas.
Ele pode ser até mesmo um
vendaval ou uma chuva muito
forte, não interessa. Em qualquer caso, cabe à companhia
aérea garantir aos consumidores um mínimo de dignidade,
de civilidade. Passadas quatro
horas, é obrigatório dar ao passageiro, primeiro, a opção de
pegar o dinheiro de volta e viajar em outra data. Caso ele não
queira e decida fazer a viagem,
a companhia tem de lhe garantir três elementos: transporte,
alimentação e hospedagem.
Não é um benefício, é uma obrigação da companhia.
FOLHA - O que se viu foi o contrário: as empresas dizendo-se vítimas
e ameaçando pedir ressarcimentos
milionários ao poder público.
MORISHITA - Todos têm direito
de mover ações, mas o que me
parece um paradoxo, um contra-senso, é que elas também
descumpriram com seus deveres para com os consumidores.
FOLHA - Elas não foram pegas de
surpresa? Isso não é relevante?
MORISHITA - No primeiro evento, você até pode ter uma certa
compreensão com o fator surpresa, a falta de parâmetro, de
ineditismo. Mas foram 14 dias
de crise, e elas não estavam preparadas da primeira vez, da segunda vez, da terceira vez, nem
da última vez. Isso demonstrou
uma coisa muito grave: elas não
cumpriram com o seu dever de
assistência, a que todo consumidor tem direito. Os Procons
multaram essas empresas pela
conduta inadequada e, mesmo
depois da autuação, nós notamos a reincidência.
FOLHA - Os problemas foram causados por agentes do Estado e por
falhas de equipamentos do Estado.
O poder público não é co-responsável no dever de assistência?
MORISHITA - O que nos assusta é
que essa é uma obrigação do
concessionário. Quando ele recebe a concessão, ele se compromete a seguir e cumprir as
regras existentes, e essa regra
não é nova, não é uma inovação
e existe exatamente para as circunstâncias de crise.
FOLHA - Não dá para elas argumentarem, então, que era uma situação excepcional, de crise?
MORISHITA - Não, ao contrário.
As regras são exatamente para
isso, para as situações de crise.
Aliás, nós achamos que o prazo
de quatro horas, criado há 21
anos, é muito grande, não tem
mais o menor sentido. Deveria
ser bastante reduzido. Mas
nem ele foi respeitado.
FOLHA - O que o sr. recomenda aos
consumidores?
MORISHITA - Elas podem registrar reclamações nos Procons,
mas o código estabelece um
prazo de 30 dias em caso de serviços não duráveis, como o serviço de transporte aéreo, para
reparação. E essas pessoas
também podem e devem procurar as próprias companhias,
além de eventualmente entrarem também na Justiça.
FOLHA - Se já passou, se elas já foram prejudicadas e hotel, transporte
e alimentação não são mais o caso, o
que elas podem exigir?
MORISHITA - Elas têm o direito
de fazer a reclamação e de buscar indenização do ponto de
vista individual, inclusive levando recibos de táxi, de hotel,
de restaurantes, aliás, mesmo
que já vencido o prazo. O importante é que todo aquele que
se sentiu lesado possa recorre.
FOLHA - O sr. tem o cálculo de
quantos foram lesados?
MORISHITA - Além dos Estados
que já entraram com ações,
desta última vez [o de 30 de
março] eu entrei com um pedido de informação às companhias. Quero saber quantos
cancelamentos, quantos atrasos, quantos passageiros e
quantos deles foram atendidos
de acordo com o dever de assistência. Queremos avaliar a conduta da empresa. O código prevê multas que vão de R$ 200 a
R$ 3 milhões.
FOLHA - Então, as empresas estão
sujeitas a dupla penalidade, do Estado e dos consumidores?
MORISHITA - Correto. O consumidor não é parte integrante do
negócio, não é sócio da empresa
e não pode dividir os riscos. Ele
não compartilha os lucros e não
pode compartilhar os riscos. As
empresas ficaram numa posição muito fácil, numa zona de
conforto inadmissível.
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