São Paulo, quarta-feira, 23 de maio de 2007

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GILBERTO DIMENSTEIN

Carroça do futuro

Usar o que aprendeu nas aulas e dar uma mão aos carroceiros transformou-se em um desafio matemático

HÁ DUAS SEMANAS, começou um inusitado test-drive de um veículo criado nos laboratórios de engenharia mecânica da Escola Politécnica da USP (Universidade de São Paulo): os pilotos são carroceiros de material reciclado e o veículo é movido a tração humana.
Juntou-se a mais antiga das tecnologias de movimento a tração humana com os últimos programas computadorizados de resistência de materiais. "Eu queria aumentar a segurança dos carroceiros e, ao mesmo tempo, diminuir seu esforço físico", conta Rafael Antônio Bruno, formado em engenharia mecânica pela Politécnica.
Usar o que aprendeu nas aulas de resistência de materiais, os cálculos de tensões nos objetos em movimento e dar uma mão aos carroceiros transformou-se em um desafio matemático em seu trabalho de conclusão de curso.

 

Como é regra entre as pessoas que gostam do que fazem, Rafael já brinca com a sua profissão desde menino. Fazia experimentos científicos em sua casa e adorava mexer com motores. Logo foi percebendo que a sua vocação estava na engenharia mecânica. Quando estava prestes a concluir o curso, ele tinha a possibilidade de fazer simulações no computador. "Preferi ir às ruas", diz. E mais: queria que seu trabalho tivesse alguma utilidade.
Montou um veículo de 3 metros de comprimento e 1,5 metro de altura, com apenas três rodas. "A terceira roda elimina o esforço vertical que o condutor precisa aplicar para manter o carrinho alinhado."
O compartimento de carga é feito com uma estrutura, mais leve, de aço-carbono; os freios vieram de uma motocicleta. Foram aplicados espelhos retrovisores, adesivos reflexivos e pisca-pisca para aumentar a sua segurança.
 

Os professores gostaram e deram nota alta ao carrinho, cujo projeto foi embasado em um relatório povoado de equações. Ele preferiu, porém, testar sua invenção com quem pouco sabe de matemática além de contas simples de adição e subtração. Deixou o carrinho para o test-drive em um ferro-velho em Santo Amaro (zona sul da capital), onde o veículo se transformou em objeto de desejo. "Nesta prova de rua, ainda não fui aprovado", reconhece.
O veículo está 10% menos pesado do que os carrinhos normais e, comprovadamente, exige menos esforço. "Os carroceiros acham que pode ser bem mais leve." E, para isso, nas horas vagas -atualmente trabalha em uma fábrica de componentes automotivos- faz novos cálculos. "Ainda não avancei muito", admite.
 

Enquanto sua invenção não sai do papel, afinal, está à procura de alguém que faça seu carrinho em série. Rafael diz ter aprendido, nessa experiência, o prazer de compartilhar a ciência. Ele vem ensinando crianças de comunidades pobres a se encantar com a ciência. "Vi que elas adoram essa experimentação, só falta quem apresente esse mundo a elas." Talvez ele não saiba, mas é muito mais fácil reinventar um carrinho puxado a tração humana do que ensinar ciências nas escolas.

gdimen@uol.com.br

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