São Paulo, domingo, 23 de maio de 2010

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MINHA HISTÓRIA

ELISETE KOLLER, 44

Em nome do pai


(...)Após a morte do Cláudio, passei a ver a vida de uma forma diferente, (...)Um filho vai trazer muita alegria pra minha vida(...)Quero que meu filho tenha orgulho do pai que não conheceu


CLÁUDIA COLLUCCI
DE SÃO PAULO

Conheci meu marido quando tinha 20 anos, em Mogi das Cruzes (SP), minha cidade natal. O Cláudio morava na Argélia com os pais e havia se mudado para o Brasil para fazer faculdade de engenharia mecânica.
Começamos a namorar e, em 1985, resolvemos morar juntos em São Paulo. O Cláudio é sagitariano [Ela se refere ao marido no tempo presente], adora viajar, começar coisas novas. Naquela época, investiu em uma empresa de telefones para deficientes auditivos, que depois se expandiu para outras soluções em comunicação.
Ele sempre falava: "vamos ter um filho, a gente precisa ter um filho". Eu amo crianças, mas sempre teve a questão profissional e eu fui adiando. O Cláudio sempre brincava: "você já tem um bom emprego, casa, carro, só falta o helicóptero".
Eu sou canceriana, gosto das coisas certas, de ter segurança, controle sobre as coisas. Começamos a tentar um bebê em 2004. Primeiro, naturalmente. Depois, por inseminação artificial.

TENTATIVAS
Engravidei na primeira tentativa, aos 40 anos, mas perdi o bebê nas primeiras 12 semanas. Fizemos o ultrassom e não escutamos o coraçãozinho. Por indicação médica, partimos para as fertilizações in vitro . No total, foram dez nos últimos quatro anos. Sempre respondi bem aos tratamentos hormonais. Os médicos não sabem explicar a razão da dificuldade de gravidez.
Durante as fertilizações, o Cláudio ficava muito mais ansioso do que eu. Em geral, eu fazia o tratamento e tentava esquecer. Só ia lembrar 12, 15 dias depois, quando era a época de fazer o teste de gravidez.

CÂNCER
Em setembro de 2007, estávamos no meio de mais um tratamento de reprodução quando o Cláudio teve diagnóstico de câncer no mediastino . Foi uma fase muito difícil. Lembro-me de que no dia da transferência dos embriões , fui para a clínica de reprodução, e ele, para a sessão de quimioterapia.
Nos outros tratamentos, ele sempre estava ao meu lado, apoiando, torcendo. Foram transferidos alguns embriões e outros ficaram congelados. Não deu certo. Depois disso, resolvemos dar um tempo nas fertilizações e focar as energias no tratamento do câncer. Tentamos de tudo o que os médicos indicavam.
Agarrávamos às mínimas esperanças e sofríamos muito a cada frustração. Ainda assim, em abril de 2009, Cláudio fez uma surpresa para mim. Organizou uma viagem a Paris, e só me avisou na semana da partida.
Ficamos por lá dez dias. Foi nossa viagem de despedida. Ele já estava muito debilitado pela doença, mas a viagem foi muito gostosa. Depois, foram idas e vindas do hospital até que em junho passado ele faleceu, aos 42 anos. Fomos inseparáveis por mais de 20 anos.
Acho que só suportei tudo porque me joguei no trabalho. Em janeiro deste ano, resolvi procurar a clínica de fertilização e manifestei meu interesse de retomar o tratamento e transferir os embriões congelados.
Foi quando soube que precisava de uma autorização judicial para isso porque não havia um termo anterior dizendo o destino dos embriões ou do sêmen em caso de morte de um dos genitores. Como é uma situação muito nova no Brasil, os termos de consentimento informado não têm essa opção. E, mesmo que tivessem, seria preciso uma autorização da Justiça, segundo meu médico.
Quatro meses atrás, meu advogado entrou com a ação e estamos aguardando uma decisão judicial.
Vou tentar primeiro uma gravidez com os embriões congelados e, se não der certo, com o sêmen que o Cláudio congelou antes da quimioterapia. Estou muito otimista em relação à decisão da Justiça. Tenho todas as condições de dar continuidade ao nosso sonho. Ter um filho nosso é a coisa que mais desejo.
Após a morte do Cláudio, passei a ver a vida de forma diferente, vivendo um dia de cada vez. Se eu pudesse voltar atrás na minha vida, teria deixado as coisas acontecerem, sem me preocupar muito com as coisas. Às vezes, a gente pensa que para ter um filho precisa ter antes tudo estruturado, mas as coisas vão se encaixando naturalmente.
Um filho vai trazer muita alegria para minha casa, para a minha vida. Seria uma bênção de Deus e uma vitória para mim e para nossas famílias. Quero que meu filho conheça a sua história, o quanto foi desejado e que tenha orgulho do pai que infelizmente não conheceu.


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