São Paulo, quarta-feira, 23 de junho de 2010

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DEPOIMENTO

"Virei o cabra que sobreviveu agarrado num coqueiro"

DOS ENVIADOS A UNIÃO DOS PALMARES

Cícero Mariano da Silva, 45, funcionário de um frigorífico, ficou nove horas agarrado ao tronco de um coqueiro, no meio da correnteza.
Veja seu depoimento:
"Aqui em União dos Palmares sou conhecido como "Botinha". Desde sábado, também passei a ser conhecido como o cabra que escapou da enchente do rio Mundaú agarrado num coqueiro.
Passei nove horas segurando aquele tronco com meus braços e pernas, enquanto a correnteza batia forte, trazendo tudo quanto é coisa para cima de mim.
Vi passar geladeira, bujão de gás, sofá. Também vi umas oito pessoas na correnteza. Não ouvi ninguém gritar. No escuro, só via as mãos apontadas para cima.
Não dava para socorrer, porque a força da água era demais. Batia tão forte que arrancou minha roupa. Fiquei nu, pelado mesmo, agarrado naquele pé de árvore das 8 da noite da sexta até as 5 da manhã de sábado.
Meu genro Luciano [Ribeiro, 27] subiu em outro coqueiro. Mas para ele a situação foi melhor, porque ele é magrinho e conseguiu subir nas folhas. Tenho 1,62 m e 92 kg. Nem sei como aguentei.

CASAS CAINDO
Me perguntam como fui parar naquele pé de pau. Foi porque não queria sair de casa quando o rio começou a encher. Mandei a família sair e fiquei com meu genro para tomar conta das coisas.
Eu achava que o rio iria subir e depois baixar. No começo da noite de sexta, a água começou a subir. Depois, subiu muito rápido e a nossa casa começou a cair.
Nós pulamos para o vizinho e a casa dele também caiu. Fomos pulando de casa em casa, e elas desmoronando. Até que não tinha mais nenhuma e caímos na água.
Os dois coqueiros estavam ali perto e seguramos neles. A gente podia ver aquela onda passando e levando tudo pela frente. Dava medo.
No começo, eu gritava "socorro" sem parar e ouvia as pessoas na margem do rio pedindo para eu aguentar, segurar firme. Minha mulher, a Edja, dizia lá: "Segura, meu nego, não solte não".

"PADIM CÍCERO"
A água trazia muito pau e arame farpado. Meu medo era que um negócio desses batesse na minha cabeça. Mas o momento mais difícil foi no amanhecer. Já estava cansado demais, com sono, e as pessoas queriam conversar para eu não dormir.
Acho que até cochilei. Nessa hora, pensei que iria morrer. Mas aí me agarrei em Jesus e no "padim" Cícero e tranquei braços e pernas.
Os bombeiros chegaram às 5h e tiraram a gente de lá num bote. Só pensei que estava salvo graças a Deus.
Fui levado ao hospital, onde fizeram curativo e me deram vacina. Estou todo machucado, inchado [escoriações e hematomas na parte interna de braços e pernas, e no rosto], mas o que importa é que estou vivo, não é?


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