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DEPOIMENTO
"Virei o cabra que sobreviveu agarrado num coqueiro"
DOS ENVIADOS A UNIÃO DOS PALMARES
Cícero Mariano da Silva,
45, funcionário de um frigorífico, ficou nove horas agarrado ao tronco de um coqueiro,
no meio da correnteza.
Veja seu depoimento:
"Aqui em União dos Palmares sou conhecido como
"Botinha". Desde sábado,
também passei a ser conhecido como o cabra que escapou
da enchente do rio Mundaú
agarrado num coqueiro.
Passei nove horas segurando aquele tronco com
meus braços e pernas, enquanto a correnteza batia forte, trazendo tudo quanto é
coisa para cima de mim.
Vi passar geladeira, bujão
de gás, sofá. Também vi
umas oito pessoas na correnteza. Não ouvi ninguém gritar. No escuro, só via as mãos
apontadas para cima.
Não dava para socorrer,
porque a força da água era
demais. Batia tão forte que
arrancou minha roupa. Fiquei nu, pelado mesmo,
agarrado naquele pé de árvore das 8 da noite da sexta até
as 5 da manhã de sábado.
Meu genro Luciano [Ribeiro, 27] subiu em outro coqueiro. Mas para ele a situação foi
melhor, porque ele é magrinho e conseguiu subir nas folhas. Tenho 1,62 m e 92 kg.
Nem sei como aguentei.
CASAS CAINDO
Me perguntam como fui
parar naquele pé de pau. Foi
porque não queria sair de casa quando o rio começou a
encher. Mandei a família sair
e fiquei com meu genro para
tomar conta das coisas.
Eu achava que o rio iria subir e depois baixar. No começo da noite de sexta, a água
começou a subir. Depois, subiu muito rápido e a nossa
casa começou a cair.
Nós pulamos para o vizinho e a casa dele também
caiu. Fomos pulando de casa
em casa, e elas desmoronando. Até que não tinha mais
nenhuma e caímos na água.
Os dois coqueiros estavam
ali perto e seguramos neles.
A gente podia ver aquela onda passando e levando tudo
pela frente. Dava medo.
No começo, eu gritava "socorro" sem parar e ouvia as
pessoas na margem do rio
pedindo para eu aguentar,
segurar firme. Minha mulher, a Edja, dizia lá: "Segura,
meu nego, não solte não".
"PADIM CÍCERO"
A água trazia muito pau e
arame farpado. Meu medo
era que um negócio desses
batesse na minha cabeça.
Mas o momento mais difícil
foi no amanhecer. Já estava
cansado demais, com sono, e
as pessoas queriam conversar para eu não dormir.
Acho que até cochilei. Nessa hora, pensei que iria morrer. Mas aí me agarrei em Jesus e no "padim" Cícero e
tranquei braços e pernas.
Os bombeiros chegaram às
5h e tiraram a gente de lá
num bote. Só pensei que estava salvo graças a Deus.
Fui levado ao hospital, onde fizeram curativo e me deram vacina. Estou todo machucado, inchado [escoriações e hematomas na parte
interna de braços e pernas, e
no rosto], mas o que importa
é que estou vivo, não é?
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