São Paulo, domingo, 23 de julho de 2000


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URBANISMO
Criação de bolsões restringe acesso da população a ruas e praças; moradores vão à Justiça contra mensalidade
Condomínios invadem área pública em SP

ALENCAR IZIDORO
DA REPORTAGEM LOCAL

As Prefeituras de Cotia e de Vargem Grande Paulista, na região metropolitana de São Paulo, autorizaram a criação de mais de 25 bolsões residenciais, nos últimos cinco anos, que adotam regras de condomínio fechado.
Mesmo sem concordar com o sistema, moradores são obrigados a pagar mensalidades para associações responsáveis pela manutenção dessas áreas públicas.
O fechamento de ruas, a construção de portarias e a contratação de vigilância particular restringiram o acesso da população a ruas e praças municipais.
O Ministério Público Estadual considera essas práticas inconstitucionais.
A expansão dos bolsões residenciais aconteceu depois de autorização de leis municipais de 1994. A reivindicação partiu de grupos de moradores interessados em se prevenir contra a violência na região.
Desde então, pelo menos oito bolsões foram criados em Vargem Grande Paulista, afetando a vida de quase 3.000 proprietários.
Em Cotia, o arquiteto Vitor Ibushi, responsável pela análise dos projetos na prefeitura, estima em quase 20 o número de ""condomínios" desse tipo. "Isso sem contar os bolsões clandestinos, ou seja, aqueles que fecham ruas e colocam portaria mesmo sem ter autorização", afirma Ibushi.
Exceto a coleta de lixo, os serviços de manutenção desses bairros passaram a ser realizados por empresas pagas pelos próprios moradores. "A prefeitura abdicou de seu papel. Para eles, é uma comodidade", admite Wilson Ferrari, presidente da Associação de Moradores do Colonial Village.
O loteamento, localizado em Cotia, tornou-se um bolsão residencial há dois anos. Hoje, a área é cercada por muros e protegida por vigilância particular.
Na portaria, uma placa avisa: só é possível ter acesso após apresentação da carteira de identidade. O lago onde qualquer pessoa podia nadar e pescar virou um bem privado: para utilizá-lo, é preciso ser "condômino".
Cerca de 200 proprietários do Village são obrigados a pagar mensalidades de até R$ 160.
"Fui morar no meio do mato para não ter despesas. Eu não concordo com nada do que eles chamam de benefício", afirma Nicodemo Sposato Neto.
Quando ele comprou um terreno no local, em 1994, o espaço era aberto. Atualmente, Sposato tem uma dívida de R$ 7.000 por não ter pago as taxas de administração do loteamento.
O promotor José Carlos Freitas afirma que ninguém pode ser obrigado a fazer parte dessas associações e que esses bolsões ferem o direito de ir e vir.
"A pessoa não pode ser obrigada a se identificar a uma entidade privada para ter acesso a uma área pública. É diferente do que ocorre em um condomínio, onde toda a área é particular."
Advogados consultados pela Folha divergem sobre a legalidade desses bolsões, assim como sobre a cobrança de mensalidade.
Antônio Fernando Pinheiro Pedro afirma que entidades privadas não podem cobrar pelo uso de espaços públicos.
"Essas áreas são de uso comum, não podem ser usadas por particulares para a cobrança de taxas. O que está acontecendo é a privatização do espaço público."
Para o advogado Toshio Mukai, o argumento das pessoas que não querem pagar é "ponderável", mas a decisão judicial deve considerar o enriquecimento ilícito. "A cobrança deve ser para todos. Afinal, o benefício não é só de alguns", diz ele.
"Se eu quisesse morar em um condomínio, não teria vindo para cá", afirma Rosana Gomes da Cruz, justificando o fato de não querer pagar mensalidade de R$ 100 no Jardim Santa Paula, no município de Cotia.
A resistência é ainda maior entre os que possuem terreno, mas não moram na região.
Armando Saraiva comprou uma propriedade no Colonial Village em 1985. "O local era aberto, como qualquer outro." Ele se recusa a pagar a mensalidade cobrada pela associação. "É só terra, não mora ninguém, só vou lá de vez em quando", afirma.
Além da taxa de manutenção, os moradores continuam pagando o IPTU. Apesar de restringir o acesso da população, o imposto é pago apenas sobre a área da propriedade de cada um.
Em um condomínio fechado, os moradores pagam IPTU sobre a área total da propriedade, incluindo as ruas, praças e demais áreas comuns.


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