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Desempregado arranca o próprio dente com alicate
FÁBIO GUIBU
DA AGÊNCIA FOLHA, EM RECIFE
Arrancar os próprios dentes
com um alicate comum e sem
anestesia pode parecer loucura,
mas, em Recife (PE), a prática é
adotada por moradores de lugares carentes que não têm acesso
aos serviços odontológicos.
Extrair o próprio dente é um
método adotado, geralmente, por
pessoas que nunca foram ao dentista. Na maioria das vezes, a extração é precedida ainda por "tratamentos" com produtos de uso
doméstico, como o sal, o alho e o
vinagre.
Os produtos são usados como
remédios alternativos contra a
dor de dente. Misturados com
água, o sal e o vinagre servem para
um gargarejo. O alho é amassado
e introduzido nas cáries.
"Se mesmo assim a dor não passa, aí o jeito é arrancar", disse Joabe José Rocha da Silva, 29, morador da favela do Amor, localizada
em Setúbal, bairro da zona sul de
Recife.
Silva, que faz parte dos 19,5% de
brasileiros que, de acordo com o
IBGE, nunca foram ao dentista,
afirma que já perdeu a conta de
quantos dentes arrancou de sua
boca.
"Só lembro que os primeiros foram os da frente, quando eu tinha
19 anos", conta. "Arranquei porque só tinha caco."
Desempregado, casado com Sônia Maria da Silva, 32, e pai de
quatro filhos, Silva disse que prefere extrair os próprios dentes a
suportar a dor das cáries.
"Dente ruim dói sempre, e arrancar só dói na hora", afirmou.
De acordo com Silva, no momento da extração, a cachaça substitui
a anestesia. Um gargarejo com
água e sal é o remédio para estancar o sangue.
Apesar de arrancar os próprios
dentes com um alicate, Silva diz
que um dos motivos pelo qual
nunca foi a um dentista é o medo.
"A gente ouve o pessoal dizer que
dói muito e fica ansioso."
Seu irmão, Paulo Sérgio, 35,
concorda. Desdentado como Silva, disse que chegou a sentar na
sala de espera de um dentista, mas
saiu assim que ouviu "uma mulher gritar lá dentro".
Paulo Sérgio também não sabe
quantos dentes já extraiu por conta própria. "Só sei que foi um bocado", afirmou, exibindo a gengiva quase nua. "Deixar ficar podre
na boca é pior", declarou.
Sônia, mulher de Silva, que também nunca foi a um dentista, não
concorda com o cunhado.
Ela acha que é melhor tentar
conter a dor a arrancar os próprios dentes.
"Passo pasta de dente, alho, sal,
vinagre, tomo uma aspirina, mas
não deixo ninguém tirar com alicate", disse. Sônia ainda preserva
os dentes da frente.
A constatação do uso de soluções alternativas para o tratamento odontológico em Recife reforça
dados obtidos em 95 por estudantes do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade de Pernambuco.
Pesquisa realizada por alunos
da instituição constatou, na época, que 26% dos 940 entrevistados
em 94 bairros usavam ou já haviam usado areia, palha de aço,
folha de coqueiro ou casca de
bambu para limpar os dentes.
A pesquisa revelou ainda que
perfumes e até mesmo solução de
bateria automotiva eram usados
como "medicamentos alternativos" contra a dor de dente.
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