São Paulo, domingo, 23 de julho de 2000


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Desempregado arranca o próprio dente com alicate

FÁBIO GUIBU
DA AGÊNCIA FOLHA, EM RECIFE

Arrancar os próprios dentes com um alicate comum e sem anestesia pode parecer loucura, mas, em Recife (PE), a prática é adotada por moradores de lugares carentes que não têm acesso aos serviços odontológicos.
Extrair o próprio dente é um método adotado, geralmente, por pessoas que nunca foram ao dentista. Na maioria das vezes, a extração é precedida ainda por "tratamentos" com produtos de uso doméstico, como o sal, o alho e o vinagre.
Os produtos são usados como remédios alternativos contra a dor de dente. Misturados com água, o sal e o vinagre servem para um gargarejo. O alho é amassado e introduzido nas cáries.
"Se mesmo assim a dor não passa, aí o jeito é arrancar", disse Joabe José Rocha da Silva, 29, morador da favela do Amor, localizada em Setúbal, bairro da zona sul de Recife.
Silva, que faz parte dos 19,5% de brasileiros que, de acordo com o IBGE, nunca foram ao dentista, afirma que já perdeu a conta de quantos dentes arrancou de sua boca.
"Só lembro que os primeiros foram os da frente, quando eu tinha 19 anos", conta. "Arranquei porque só tinha caco."
Desempregado, casado com Sônia Maria da Silva, 32, e pai de quatro filhos, Silva disse que prefere extrair os próprios dentes a suportar a dor das cáries.
"Dente ruim dói sempre, e arrancar só dói na hora", afirmou. De acordo com Silva, no momento da extração, a cachaça substitui a anestesia. Um gargarejo com água e sal é o remédio para estancar o sangue.
Apesar de arrancar os próprios dentes com um alicate, Silva diz que um dos motivos pelo qual nunca foi a um dentista é o medo. "A gente ouve o pessoal dizer que dói muito e fica ansioso."
Seu irmão, Paulo Sérgio, 35, concorda. Desdentado como Silva, disse que chegou a sentar na sala de espera de um dentista, mas saiu assim que ouviu "uma mulher gritar lá dentro".
Paulo Sérgio também não sabe quantos dentes já extraiu por conta própria. "Só sei que foi um bocado", afirmou, exibindo a gengiva quase nua. "Deixar ficar podre na boca é pior", declarou.
Sônia, mulher de Silva, que também nunca foi a um dentista, não concorda com o cunhado.
Ela acha que é melhor tentar conter a dor a arrancar os próprios dentes.
"Passo pasta de dente, alho, sal, vinagre, tomo uma aspirina, mas não deixo ninguém tirar com alicate", disse. Sônia ainda preserva os dentes da frente.
A constatação do uso de soluções alternativas para o tratamento odontológico em Recife reforça dados obtidos em 95 por estudantes do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade de Pernambuco.
Pesquisa realizada por alunos da instituição constatou, na época, que 26% dos 940 entrevistados em 94 bairros usavam ou já haviam usado areia, palha de aço, folha de coqueiro ou casca de bambu para limpar os dentes.
A pesquisa revelou ainda que perfumes e até mesmo solução de bateria automotiva eram usados como "medicamentos alternativos" contra a dor de dente.


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