|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
URBANIDADE
Ilustração Vincenzo Scarpellini
|
|
AVENIDA SÃO JOÃO Do alto do Banespa, pelas quatro direções, São Paulo transforma-se numa espécie de mapa de si mesma: não é preciso distinguir detalhes inúteis e, se for verdade que o instinto é uma forma de conhecimento a distância, que está para a inteligência como a visão está para o tato, torna-se possível captar a cidade sem pisar nela. Evocá-la sem entendê-la. Comprá-la sem pagá-la. (VINCENZO SCARPELLINI)
Esquina da saudade
GILBERTO DIMENSTEIN
COLUNISTA DA FOLHA
Quando André Sturm,
diretor de uma distribuidora de filmes, soube que o cine
Belas Artes estava com data
marcada para fechar as portas,
ele próprio se tornou candidato
a virar personagem de um filme
de aventura ou drama.
André faz parte da geração de
paulistanos que reverenciaram a
esquina da Consolação com a
avenida Paulista. Na frente do
Belas Artes, que exibia sofisticados filmes, brilhava o Riviera,
então marco da resistência político-etílica contra a ditadura
militar. A poucos metros dali,
reinava a Tia Olga, onde jovens
de classe média tiveram sua iniciação sexual com mulheres que,
professorais, pareciam entender
a insegurança juvenil. Nas redondezas, trabalhavam os astros
da nascente televisão brasileira,
com seus festivais (Record) ou
novelas (Tupi).
Para os garotos judeus que frequentavam as sinagogas do
bairro, era a chance da paradisíaca mistura, em tão pouco espaço, dos astros da TV com Deus
e as mulheres.
Foram-se embora as celebridades, entre as quais Fernando
Henrique Cardoso, José Dirceu,
Caetano Veloso e Chico Buarque. Renato Meniscalco, proprietário do Riviera, lamenta
nostálgico: "Não temos nem dinheiro para reforma".
André viu nessa decadência
um desafio quando decidiu investir na recuperação do Belas
Artes. Pretende entregar neste
semestre duas salas, que terão
uma programação "cult". Sabe
que jamais conseguiria viver de
bilheteria e, por isso, engrossou o
movimento para reduzir os impostos dos cinemas de rua e valorizar espaços públicos. A prefeita
Marta Suplicy aderiu à idéia. Na
passagem, abandonada, debaixo da Consolação, ele planeja fazer uma espécie de museu ligado
à arte cinematográfica. A entrada do cinema seria transformada num espaço de convivência,
com um café e uma livraria.
Apesar dessa ofensiva, o risco é
óbvio: os cinemas de rua estão
morrendo ou lutando com dificuldades. Daí a procura de André por um redentor patrocínio,
além de benefícios fiscais. "Posso
estar movido pela emoção, mas
não quero rasgar dinheiro. Muita gente não gosta de assistir a
filmes em shoppings e vamos investir nessa fatia de mercado."
Mesmo que a paixão de André
eventualmente não vire um bom
negócio, já rendeu pelo menos
um belo roteiro cinematográfico
sobre a história da saudade de
uma geração por uma esquina.
E-mail - gdimen@uol.com.br
Texto Anterior: Juíza dá reintegração de posse à Volkswagen Próximo Texto: Trânsito: Túnel Ayrton Senna é fechado hoje e amanhã Índice
|