São Paulo, domingo, 23 de julho de 2006

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Críticas a cotas são "cegueira social", afirma ministra

Matilde Ribeiro diz que reação contrária neste debate é natural, mas traz um olhar viciado sobre o tema

Para ela, a alegação de que cotistas teriam dificuldade em acompanhar as aulas ou seriam estigmatizados não condiz à realidade

LUCIANA CONSTANTINO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A ministra Matilde Ribeiro (Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial) reconhece que a miscigenação dificulta a classificação de uma pessoa como afrodescendente, mas diz haver "divisões sociais" no Brasil. Por isso, defende ações afirmativas para reduzir as desigualdades. Militante do movimento negro antes de participar do governo federal, Matilde afirma que o "dilema" entre cotas sociais e raciais está resolvido no projeto de reserva de vagas em universidades. Ela recebeu a Folha na semana passada em seu gabinete.

FOLHA - O Estatuto da Igualdade Racial considera afrobrasileira pessoa que se classifica como tal. Qualquer um poderá se declarar assim para tentar se beneficiar de cotas?
MATILDE RIBEIRO
- No Brasil sempre tivemos a máxima de que não somos racistas e somos mestiços. O movimento negro, desde a abolição, trabalhou para que tivéssemos orgulho de sermos negros em uma sociedade que não nos acolheu. Sabemos que ser negro não é fácil.

FOLHA - Se o quadro muda, não haverá quem queira se beneficiar?
MATILDE
- Não necessariamente. No Brasil, devido à miscigenação, é difícil saber quem é ou não. O consenso do IBGE para perguntar a cor é a autodeclaração. Se isso acontecer [se beneficiar não sendo afrodescendente], vai ser uma minoria.

FOLHA - No Brasil, o que identifica um afrodescendente?
MATILDE
- Os rappers têm uma definição interessante. Dizem: "Os brasileiros podem não saber quem é negro ou branco, mas a polícia sabe". Nossos limites raciais não são visíveis como os da África do Sul durante o apartheid. Mas, temos divisões sociais e cotidianas.

FOLHA - Cotas não são mecanismo de desigualdade?
MATILDE
- A Constituição brasileira é uma das mais avançadas. Está dito que todos somos iguais independentemente de sexo, credo, raça, idade, blá, blá, blá. Mas há uma dinâmica da sociedade que vai além e é excludente. Justamente por ser excludente é preciso ter medidas de governo e de Estado para chegar ao equilíbrio colocado na Constituição. Considero a crítica ao sistema de cotas parte da nossa cegueira social.

FOLHA - As pessoas deixaram de ver esse problema?
MATILDE
- Esse dilema entre cotas sociais e raciais creio que resolvemos na formulação da proposta de projeto de lei de reserva de vagas nas universidades encaminhada à Câmara. Prevê reserva de 50% das vagas das universidades públicas para alunos oriundos de escolas públicas (cota social) combinada com proporção de negros e indígenas nos Estados (cota racial). É a somatória das duas.

FOLHA - Mas não é o desenho que vemos nas cotas previstas no texto do Estatuto da Igualdade Racial.
MATILDE
- O texto que está no Congresso já passou por alterações, e o governo fez contribuições. Mas ainda não chegamos ao final da negociação e dos procedimentos.
Já em relação ao debate com intelectuais e agentes políticos, creio ser natural a reação contrária. O debate é bem-vindo, mas não concordo com o princípio das pessoas que se apresentam contra o projeto. Para complementar o termo cegueira, diria que o olhar dessas pessoas que se apresentam contra é viciado. Cito exemplos. A alegação de que alunos, ao entrarem pelas cotas, teriam dificuldade de permanecer, estariam estigmatizados, nada disso se comprova. As experiências em curso têm mostrado que quem entra pelas cotas tem tendência de superar a média escolar.


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