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Críticas a cotas são "cegueira social", afirma ministra
Matilde Ribeiro diz que reação contrária neste debate é natural, mas traz um olhar viciado sobre o tema
Para ela, a alegação de que cotistas teriam dificuldade em acompanhar as aulas
ou seriam estigmatizados não condiz à realidade
LUCIANA CONSTANTINO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
A ministra Matilde Ribeiro
(Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade
Racial) reconhece que a miscigenação dificulta a classificação de uma pessoa como afrodescendente, mas diz haver
"divisões sociais" no Brasil. Por
isso, defende ações afirmativas
para reduzir as desigualdades.
Militante do movimento negro antes de participar do governo federal, Matilde afirma
que o "dilema" entre cotas sociais e raciais está resolvido no
projeto de reserva de vagas em
universidades. Ela recebeu a
Folha na semana passada em
seu gabinete.
FOLHA - O Estatuto da Igualdade
Racial considera afrobrasileira pessoa que se classifica como tal. Qualquer um poderá se declarar assim
para tentar se beneficiar de cotas?
MATILDE RIBEIRO - No Brasil sempre tivemos a máxima de que
não somos racistas e somos
mestiços. O movimento negro,
desde a abolição, trabalhou para que tivéssemos orgulho de
sermos negros em uma sociedade que não nos acolheu. Sabemos que ser negro não é fácil.
FOLHA - Se o quadro muda, não haverá quem queira se beneficiar?
MATILDE - Não necessariamente. No Brasil, devido à miscigenação, é difícil saber quem é ou
não. O consenso do IBGE para
perguntar a cor é a autodeclaração. Se isso acontecer [se beneficiar não sendo afrodescendente], vai ser uma minoria.
FOLHA - No Brasil, o que identifica
um afrodescendente?
MATILDE - Os rappers têm uma
definição interessante. Dizem:
"Os brasileiros podem não saber quem é negro ou branco,
mas a polícia sabe". Nossos limites raciais não são visíveis
como os da África do Sul durante o apartheid. Mas, temos divisões sociais e cotidianas.
FOLHA - Cotas não são mecanismo
de desigualdade?
MATILDE - A Constituição brasileira é uma das mais avançadas.
Está dito que todos somos
iguais independentemente de
sexo, credo, raça, idade, blá, blá,
blá. Mas há uma dinâmica da
sociedade que vai além e é excludente. Justamente por ser
excludente é preciso ter medidas de governo e de Estado para
chegar ao equilíbrio colocado
na Constituição. Considero a
crítica ao sistema de cotas parte
da nossa cegueira social.
FOLHA - As pessoas deixaram de
ver esse problema?
MATILDE - Esse dilema entre cotas sociais e raciais creio que resolvemos na formulação da
proposta de projeto de lei de reserva de vagas nas universidades encaminhada à Câmara.
Prevê reserva de 50% das vagas
das universidades públicas para alunos oriundos de escolas
públicas (cota social) combinada com proporção de negros e
indígenas nos Estados (cota racial). É a somatória das duas.
FOLHA - Mas não é o desenho que
vemos nas cotas previstas no texto
do Estatuto da Igualdade Racial.
MATILDE - O texto que está no
Congresso já passou por alterações, e o governo fez contribuições. Mas ainda não chegamos
ao final da negociação e dos
procedimentos.
Já em relação ao debate com
intelectuais e agentes políticos,
creio ser natural a reação contrária. O debate é bem-vindo,
mas não concordo com o princípio das pessoas que se apresentam contra o projeto. Para
complementar o termo cegueira, diria que o olhar dessas pessoas que se apresentam contra
é viciado. Cito exemplos. A alegação de que alunos, ao entrarem pelas cotas, teriam dificuldade de permanecer, estariam
estigmatizados, nada disso se
comprova. As experiências em
curso têm mostrado que quem
entra pelas cotas tem tendência
de superar a média escolar.
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