São Paulo, sábado, 23 de agosto de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Garoto de 11 anos furta carro e anda por 3 km

Menino foi flagrado por guardas-civis depois de passar conduzindo o veículo a cerca de 70 km/h em via na zona sul de SP

Criança foi levada à delegacia e liberada; ações socioeducativas, como internação, só se aplicam a jovens entre 12 e 17 anos

JULIANA COISSI
EM SÃO PAULO

Um menino de 11 anos furtou um carrou e dirigiu por três quilômetros em alta velocidade no bairro Campo Grande, zona sul de São Paulo, anteontem à noite. À Folha ele disse que não queria voltar a pé para casa e por isso pegou o carro. Ele foi ouvido na delegacia, acompanhado do pai, e liberado.
Esse foi o sexto boletim de ocorrência que envolve o garoto. Dois dias antes, ele foi ouvido na delegacia por supostamente ter furtado outro carro. Os outros registros em que ele é suspeito foram por dirigir sem habilitação, por furto de uma farmácia, por dano e por desacato à autoridade.
De acordo com a polícia, guardas-civis faziam a ronda em uma escola no bairro quando viram um carro passar em alta velocidade, a 70 km/h, em uma rua estreita. Ele foi seguido até parar com o carro em frente à sua casa.
"Até então não sabia que era uma criança ao volante, porque não dava para ver a cabeça, só o cabelo", conta o GCM Valdecir Bento da Silva. "Foi um choque ver a criança. Não aparenta ter nem 11 anos." O garoto, diz o guarda, contou ter pego o carro "porque ele estava dando mole na rua".
Segundo a polícia, o menino disse em depoimento que furtou o carro na avenida Nossa Senhora Sabará, a três quilômetros de sua casa.
Com uma "mixa", espécie de chave mestra, tentou primeiro abrir a porta de um Cross Fox. Não conseguiu. Apelou, então, para o veículo ao lado, um Gol ano 81, usado no suposto furto.
Até completar 12 anos, nenhuma criança pode ser punida, segundo o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente). Medidas socioeducativas, inclusive internação, só se aplicam entre os 12 e os 17 anos.
O caso será encaminhado ao juiz da Infância e da Juventude, que pode determinar medidas protetoras, como sujeitar o garoto a acompanhamento psicológico. A exigência pode se estender também à família.
"O que me parece claro é que a família falhou em algum momento na educação. É preciso detectar qual foi essa falha e ajudá-los para corrigir daqui para frente", disse o promotor da Infância e da Juventude Thales César de Oliveira. A Folha não encontrou os pais.

Um bom menino
O cabelo descolorido, arrepiado caprichosamente com gel, é o primeiro sinal de quem gosta de estar bem vestido.
Camiseta e bermudas bem passada, tênis branco limpo, o garoto contou à reportagem que não está mais na escola. Desligou-se dos amigos da escola -"são tudo criança" - e dos da rua -"tudo dedo-duro". "Não tenho amigo. Meu amigo é Deus."
O garoto vive com o pai, auxiliar de limpeza, a mãe, dona-de-casa, e com os três irmãos, de sete, 16 e 17 anos.
Um ano atrás, não era esse o menino que conheciam, contam os vizinhos. "Vi esse menino nascer aqui. Todo mundo o admirava. Enquanto as crianças brincavam na rua, ele andava com carrinho juntando papelão", disse o aposentado José Araújo Aguiar, 69.
Ele também limpava vidro de carros parados no sinal em uma avenida perto de sua casa. O dinheiro, entregava para a mãe. Às vezes, o pequeno trabalhador se permitia a regalias: chegava com pizza ou geladinhos nas mãos e distribuía na rua.
De uns tempos para cá, conta outra vizinha, o garoto mudou. "Ele não fala mais com ninguém. Direto a gente vê ele passar de carro aqui, correndo. Dá dó de ver", afirma.


Texto Anterior: Há 50 anos
Próximo Texto: Frase
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.