|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Casal roda 23 Estados para atender doentes
Médicos largaram tudo em São Paulo e compraram jipe para socorrer população nas cidades mais miseráveis do país
Danielle, 34, e Carlos, 39, encontraram jovens que nunca tinham visto um médico e homens que ignoravam cura de doenças
RICARDO WESTIN
DA REPORTAGEM LOCAL
O médico e a médica buscaram no site das Nações Unidas
a lista das cidades mais miseráveis do Brasil. Num mapa, marcaram as piores de cada Estado
e traçaram a rota. Compraram
um jipe, largaram tudo em São
Paulo -trabalho, casa, família e
amigos- e caíram na estrada.
Com um plano que muitos
viram como louco e perigoso, o
casal Danielle Bertolini, 34, e
Carlos Maknavicius, 39, cruzou
23 Estados -mais de 100 mil
km- cuidando, gratuitamente,
de brasileiros doentes que vivem nos rincões do país. A expedição começou em agosto de
2007 e foi até abril deste ano.
"Estávamos estabilizados
profissionalmente, mas sentíamos falta daquela medicina que
havíamos idealizado quando
decidimos ser médicos. Não fazíamos medicina humana, não
cuidávamos de quem realmente precisava", explica Danielle.
Carlos e Danielle se conheceram em 2006, fazendo plantão
num hospital público da capital
paulista. No ano seguinte, venderam o apartamento em que
viviam para comprar o jipe,
criaram a ONG Médicos da
Terra e obtiveram o patrocínio
de duas empresas. Telefonaram para as prefeituras avisando a data em que chegariam.
Em cada localidade, agentes
de saúde os levavam às famílias
carentes da zona rural. Diversas vezes o jipe perdeu peças
em estradas esburacadas e atolou em trilhas enlameadas. No
sertão nordestino, usaram cavalos para chegar aos pacientes.
Na Amazônia, lanchas.
O casal atendeu a jovens que
nunca haviam visto um médico
na vida, a homens que se consideravam inválidos por ignorar
que suas doenças tinham cura,
a mulheres que haviam acabado de perder seus bebês e a
crianças com vermes e piolhos.
"O nosso susto foi ver que
95% das pessoas na zona rural
têm esgoto a céu aberto, evacuam atrás de casa e tomam a
mesma água onde lavam a roupa e que os animais bebem, não
lavam as mãos nem os alimentos. Tivemos de ensinar coisas
bem básicas", lembra Danielle.
As prefeituras normalmente
forneciam remédios. Eles às vezes dormiam em hotéis sujos
na beira da estrada, às vezes em
casas de família. Entre uma cidade e outra, armavam uma
barraca de camping.
Nos momentos em que não
trabalhavam, Carlos e Danielle
foram turistas. Conheceram as
pinturas rupestres de Minas, a
Caetés natal do presidente Lula, os Lençóis Maranhenses, os
búfalos da ilha de Marajó e os
botos cor-de-rosa de Manaus.
Por outro lado, enfrentaram
prefeito que não os aceitou no
município, rios sem pontes, um
índio armado que quis atacá-los, uma tentativa de roubo do
jipe e Conselhos Regionais de
Medicina que não lhes deram a
permissão temporária para
exercer a medicina naquele Estado -nesses casos, para evitar
processos, só deram palestras.
O pior revés foi uma doença
rara que acometeu Carlos. Uma
infecção alimentar levou seu
organismo a desenvolver uma
doença autoimune. Ele teve inflamações no corpo e quase ficou cego. A viagem sofreu duas
interrupções para que ele fosse
levado de avião a São Paulo. Isso os obrigou a tirar Roraima,
Amapá e Acre do trajeto.
Carlos e Danielle agora vivem em Fernandópolis, a cidade paulista onde ela foi criada,
fizeram um diário da viagem
(medicosdaterra.com.br) e
pretendem escrever um livro.
Danielle se lembra da maionese caseira do sanduíche que
comeu em Varre-Sai (RJ). Carlos, dos cafezinhos feitos na hora pelas famílias que os recebiam. "Estamos coçando os pés
para viajar de novo", diz ele.
"Vimos coisas tristes, conhecemos um Brasil que não aparece em livro nem em reportagem. E ao mesmo tempo vivemos coisas muito boas, conseguimos ajudar. Mas nossa missão ainda não está cumprida."
Texto Anterior: 1/4 do Estado de São Paulo tem índice alto Próximo Texto: Num só trilho Índice
|