São Paulo, sábado, 23 de setembro de 2000

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VIOLÊNCIA
Grupo especial, que vai atuar onde o narcotráfico é forte, ganha primeira unidade em favela da zona sul do Rio
Polícia "ocupa" morro e desagrada a morador

PEDRO DANTAS
DA SUCURSAL DO RIO

Moradores do complexo de favelas Cantagalo-Pavão-Pavãozinho, na zona sul do Rio, receberam ontem com desconfiança a apresentação dos cem homens da primeira unidade do GPAE (Grupamento de Policiamento em Áreas Especiais), cujo objetivo é aproximar os policiais militares das comunidades onde é forte a presença do narcotráfico.
"Se for para fazer policiamento e participar da vida social da comunidade, tudo bem. Agora, se for para afrontar o trabalhador com revistas, aí não vai dar certo", disse Ademir José Custódio, 46, coordenador dos programas esportivos no morro do Cantagalo.
O objetivo oficial do GPAE é estabelecer um canal de comunicação com os moradores. Além do policiamento, os cem homens devem se dedicar à rotina da favela, como prestar primeiros socorros e apoiar atividades desenvolvidas por ONGs (organizações não-governamentais).
"Acho que estão todos desconfiados. É muito bom para ser verdade. Para os moradores, é uma ruptura de costumes, pois o policiamento em massa não acontece nem nos bairros. Por sua vez, os policiais temem entrar para proteger a comunidade e levar um tiro pelas costas", disse o coordenador do movimento Viva Rio, Rubem César Fernandes, que esteve presente à solenidade.

Escolha
A escolha do complexo não foi por acaso. A área Pavão-Pavãozinho-Cantagalo foi cenário de confrontos entre moradores e policiais militares, em maio, depois das mortes de um adolescente de 14 anos e de cinco supostos traficantes. Os moradores desceram o morro e chegaram a bloquear ruas de Ipanema e Copacabana.
A cerimônia, que teve a presença do secretário da Segurança, Josias Quintal, mostrou que no próprio complexo existe uma divisão social, entre os moradores nascidos e criados no Cantagalo, os imigrantes e moradores temporários do Pavão-Pavãozinho e os moradores da parte mais miserável da favela, batizada de Vietnã.
Os do Cantagalo eram os mais entusiasmados com o novo grupamento. "Os projetos sociais são mais desenvolvidos no Cantagalo porque aqui está o pessoal mais raiz, enquanto no Pavão-Pavãozinho vive o pessoal do Norte que mora lá por um tempo e depois vai embora", disse Luiz Bezerra Nascimento, vice-presidente da Associação de Moradores do Cantagalo.

Novo tempo
"Todos sabemos que a relação com as comunidades não é das melhores, mas pretendemos inaugurar um tempo novo", disse o secretário Josias Quintal.
A sucessão de mortes e conflitos entre policiais e traficantes vem gerando protestos violentos de moradores de favelas do Rio desde o início do ano.
Desde fevereiro, já foram mais de 14 protestos, que frequentemente terminam com ônibus depredados. Para o governo, essas ações são incitadas pelos traficantes, o que os moradores negam.

Morte
Na zona norte, os protestos começaram em fevereiro, depois da morte de um adolescente de 17 anos no morro do Salgueiro, na Tijuca.
Em abril, moradores da favela Fazendinha, em Inhaúma, incendiaram um ônibus e acusaram policiais de balear e não socorrer uma estudante de 14 anos, que morreu a caminho do hospital.
Em maio, moradores do morro dos Macacos (zona norte) protestaram em frente ao hospital do Andaraí depois que a Polícia Militar matou um jovem de 22 anos e feriu três pessoas.
Os protestos mais recentes aconteceram no morro de São Carlos, na zona central, depois que um menino de 6 anos foi morto por uma bala perdida. Apesar de o governo ter oferecido uma recompensa de R$ 10 mil, o autor do crime até agora não foi identificado.


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