São Paulo, domingo, 23 de setembro de 2001

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GILBERTO DIMENSTEIN

As torres do World Trade Center no Brasil

Até a semana passada, estimava-se em 5.900 o número de mortos nos atentados cometidos nos Estados Unidos, personagens de um trauma inédito na história do país. A estatística fúnebre virou sinônimo de vulnerabilidade coletiva e intensificou a sensação de insegurança -até então só imaginada pelos norte-americanos nos roteiros cinematográficos.
Em meio à tristeza pelas vítimas e à perplexidade geral ante os acontecimentos, o governo dos EUA declarou guerra -e dinamitou os indicadores das Bolsas de Valores em todo o mundo. Viu-se aqui a crise, com nitidez, no recorde da cotação do dólar e na certeza de que o crescimento econômico, já tímido, vai ser ainda mais tímido no país.
Se tomarmos 6.000 assassinatos como unidade de medida de insegurança, será possível afirmar que produzimos mensalmente no Brasil pelo menos uma explosão no Pentágono e nas torres do World Trade Center.
Segundo dados do Ministério da Saúde, são registrados no país 7.000 homicídios todos os meses.
Só na cidade de São Paulo, segundo levantamento concluído semana passada pelo Pro-Aim (Programa de Aprimoramento das Informações de Mortalidade), ocorreram 3.039 homicídios no primeiro semestre deste ano; a manter-se o ritmo, será um "atentado" por ano.
Desconte-se, evidentemente, o fato de que os Estados Unidos foram alvo de um atentado político que atingiu instalações simbólicas de seu poderio, como as torres do World Trade Center e o Pentágono. Mas, tanto lá como cá, o resultado é, em essência, parecido: o sentimento de que o espaço de convivência é ameaçador -com a suspeita, fundamentada ou não, de que possa ocorrer um ataque em cada esquina.
Nos EUA, os 5.900 mortos vieram num dia; no Brasil, o terror é homeopático. As pessoas iludem-se, acreditando que se acostumam com a situação, mas, na prática, comportam-se como reféns, vivendo em "bunkers".
Pesquisa realizada pela Universidade de São Paulo em dez capitais constatou que 50% dos entrevistados deixaram de sair de casa por medo da violência.
É natural, portanto, que estudo da Organização Mundial de Saúde tenha classificado a violência brasileira como "epidêmica". Nos últimos dez anos, contabilizaram-se 600 mil assassinatos -o que equivale a cem "atentados".
O problema é menos a quantidade de vítimas nas cidades brasileiras e mais a escalada da violência; daí a percepção de que o fenômeno é epidêmico. Tomemos o caso paulistano: no começo da década de 80, havia 8 assassinatos para cada 100.000 habitantes. A proporção agora gira em torno de 60 por 100.000 habitantes.
Para cada morte, há milhares de tentativas de homicídio e legiões de feridos, gente que, em maior ou menor grau, ficou traumatizada. São Paulo bate recordes de casos de sequestro -tragédia que ganhou ares de escândalo nacional com o episódio que envolveu Silvio Santos.
Entre 1995 e 1998, o número de crianças e de adolescentes assassinados saltou 21% -o homicídio passou a ser a principal causa de morte dos jovens.
Um estudo realizado pelo NEV (Núcleo de Estudos da Violência), da USP, contou quantas pessoas foram punidas por terem matado jovens ou crianças. O número não chegou a perfazer 2% dos casos; ficou, mais precisamente, em 1,72%. É previsível que tão escassa punição estimule a prática de mais crimes.
Reside justamente nisso -até mais que em razões de simples vingança- a explicação do que leva o governo dos EUA, deixando de lado as implicações econômicas, a anunciar a guerra contra as nações que abriguem terroristas, algo semelhante a tocar fogo na casa para fritar um bife. Eles querem dar uma lição a seus adversários para que pensem muitas vezes antes de cometer mais um crime.
Nos EUA, corre-se o risco de cair em sérios exageros para dar uma satisfação pública ao país e uma lição aos fanáticos religiosos. O que existe por trás disso é a idéia de que uma comunidade não pode experimentar uma vulnerabilidade de tal magnitude.
Quando - e se- o Brasil tiver mesmo de reduzir a sensação de vulnerabilidade provocada pela violência urbana, vai ter de se engajar num esforço de guerra que mobilize todo o país.
Guerra significa não apenas melhorar o policiamento, mas reduzir, intervindo nas causas sociais, a possibilidade de surgimento de "terroristas" -e isso é bem mais difícil e demorado do que sair atirando mísseis.

PS - Até lá, vamos oferecer todos os meses duas torres do World Trade Center.

E-mail - gdimen@uol.com.br



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