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PASQUALE CIPRO NETO
Árvores voadoras
Estava na capa da Folha
do último domingo: "26%
das árvores correm risco de cair
nos Jardins". Já sei, já sei, vivo implicando com as pérolas perpetradas nos títulos jornalísticos. A culpa não é minha, juro; apenas
cumpro minha função, que, no
caso dos comentários sobre os títulos, vai ao encontro do interesse
geral e, particularmente, dos vestibulandos (não são poucas as
questões baseadas nas "mágicas"
dos títulos jornalísticos).
Mas voltemos às árvores. Que
São Paulo está longe de ser uma
cidade habitável não é novidade.
Os problemas surgem de onde
menos se espera que surjam, mas
árvores voadoras... Já sei: é a natureza promovendo a tão desejada igualdade social (nos Jardins
-área "nobre" de São Paulo-
está boa parte do PIB nacional).
Pois bem, brincadeiras à parte,
o que se deduz do título é justamente isto: 1 em cada 4 árvores
(da cidade de São Paulo, do país,
do mundo, sei lá) corre o risco de
cair (depois de voar, é claro) nos
Jardins. Parece evidente que o
que se queria dizer era algo semelhante a isto: "26% das árvores
dos Jardins correm risco de cair".
Não lhe parece sintomática (e
coerente) a troca de "dos Jardins"
por "nos Jardins", caro leitor? Em
"dos" ("de" + "os"), encontra-se a
preposição "de", que, no caso, estabelece relação de posse entre
"árvores" e "Jardins" (as árvores
são dos Jardins); em "nos" ("em"
+ "os"), encontra-se a preposição
"em", que estabelece relação de
lugar entre o verbo "cair" e a referida região paulistana.
Bem, quando eu disse "coerente", quis dizer que o uso de "nos"
condiz com a estrutura empregada no título (e com o sentido efetivamente transmitido). Como se
vê, trata-se de um belíssimo
exemplo de frase mal-bem-feita.
O fato é que os títulos jornalísticos vão de mal a pior. O que não
falta para os examinadores (e para os estudiosos -e aqui se incluem os vestibulandos e candidatos a vagas no serviço público)
é material para estudo, reflexão,
riso, choro, espanto... Quer outro
exemplo? Vamos lá (da capa da
mesma edição da Folha): "Coração mata mais a mulher do que
câncer de mama".
Já descobriu qual é o problema
desse título? O câncer de mama
mata ou é morto pelo males do
coração? Embora estruturalmente ambígua, a frase acaba sendo
compreendida pelo que alguns
vestibulares chamam de "conhecimento de mundo".
Releia o título, por favor. Alguns dirão que a simetria entre a
presença do artigo antes de "mulher" e a ausência dele antes de
"coração" e de "câncer" pode salvar a frase da ambigüidade. Será?
Isso talvez pudesse ser levado a sério, se nos títulos jornalísticos o
artigo definido não fosse tratado
como cão sem dono.
Bem, o sentido desejado pelo redator parece claro: "As mulheres
morrem mais do coração do que
de câncer de mama". No título
original, o problema está na posição em que se enxerga a elipse do
termo "mata" (depois de "que"
ou depois de "mama").
Alguém poderia aproveitar a
ocasião para perguntar se não seria obrigatório o emprego de um
"do" depois de "mulher" ("Coração mata mais a mulher do que
câncer de mama"). Seria possível,
sim, mas não obrigatório. Nas estruturas comparativas, ocorre o
emprego de "que" e de "do que",
indiferentemente. É isso.
Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras
E-mail - inculta@uol.com.br
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