São Paulo, sexta-feira, 23 de setembro de 2005

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VÔO LIVRE

Informação é do inspetor-chefe da Receita no aeroporto de Cumbica, que já recebeu desconto para ir a Buenos Aires pela TAM

Fiscais ganham passagem de empresa aérea

ALENCAR IZIDORO
DA REPORTAGEM LOCAL

Funcionários da Receita Federal que atuam no aeroporto de Cumbica, em Guarulhos (Grande São Paulo), costumam receber passagens nacionais e internacionais de empresas aéreas com descontos superiores a 50% ou até de graça.
Os servidores do órgão trabalham com a função de controlar bagagens e fiscalizar tributos dos produtos importados ou exportados por meio das companhias aéreas. Quando saem de férias, alguns pedem e conseguem isenções para viajar com a família.
A informação sobre a prática foi admitida à Folha pelo inspetor-chefe da Receita no aeroporto, João Figueiredo. Ele já recebeu cortesia para ir a Buenos Aires em 2003 -diz não se lembrar o percentual do desconto, mas a TAM, fornecedora do bilhete, afirma que ficou entre 50% e 75%.
"Realmente existe no aeroporto essa cortesia de algumas companhias. Se alguém falar coisa ao contrário, é mentira. É conveniente para elas manter essa relação amistosa com todo mundo", diz Figueiredo, para quem a "política de boa vizinhança" delas visa manter um bom atendimento "das demandas".
O inspetor da Receita afirma que a prática se estende aos demais empregados do aeroporto e a defende sob duas condições: desde que não seja uma imposição às companhias aéreas ("fica a critério delas dizer quanto, quando e se quer dar") nem interfira no trabalho diário da fiscalização.
Mas não pode haver um conflito de interesses, questiona a Folha? Na opinião de Figueiredo, não. "Não existe nenhuma obrigatoriedade em termos de retribuição de favores. A gente sempre alerta os funcionários de que não pode haver contrapartida", diz.
"O cara dá uma passagem aérea e eu tento passar uma muamba para ele. Se alguém fizer coisa desse tipo, no dia seguinte estará na corregedoria", exemplifica.

Requisições
As informações do inspetor foram dadas depois de a Folha receber comprovantes de requisições internas de passagens gratuitas ou com descontos da TAM em nome de três funcionários ou ex-funcionários da Receita no aeroporto, incluindo Figueiredo. Os outros dois, conhecidos dele, não foram localizados pela reportagem.
A lista inclui viagens em nome de uma pessoa chamada João Figueiredo, inclusive para Miami e Paris, entre 2000 e 2003. Mas só a de Buenos Aires tem a veracidade confirmada como sendo destinada ao próprio inspetor da Receita.
As demais também constam do sistema da TAM, mas há suspeita do próprio Figueiredo de ser uma fraude no sistema interno cometida por pessoas usando seu nome. Ou então pode ser um homônimo, o que considera mais difícil.
O inspetor diz que não vai aos EUA há mais de dez anos -e se dispõe a mostrar seu passaporte para provar a versão. Ele até esteve em Paris na época do bilhete da TAM, em 2001, mas viajou por outra companhia, sem cortesia.
Figueiredo, que está no aeroporto desde a década passada, inicialmente como fiscal e depois como inspetor, afirma que, além da viagem a Buenos Aires pela TAM, em 2004 ele pediu desconto para ir ao Chile pela LanChile. Apresentou sua identificação, mas não teve sucesso e desistiu da viagem.
"Fui ao balcão da LanChile e falei: "vocês dão desconto para funcionário do aeroporto, está aqui meu crachá". Mas é política da companhia não dar desconto para ninguém. Falei obrigado e continuei meu relacionamento profissional comum."
Segundo ele, nos anos 90 as viagens de servidores do aeroporto pela Vasp "principalmente ao exterior, eram a "rodo'". "Para quem quisesse davam de graça."
Apesar de negar conflito de interesses, Figueiredo diz que já houve um servidor da Receita, três anos atrás, que tentou se beneficiar -mas não conseguiram fazer um flagrante. "O cara falou para uma empresa que precisava de tantas passagens por mês, ou ele não liberaria nenhuma bagagem extraviada", diz Figueiredo.
Ronaldo Lomônaco, superintendente da Receita em São Paulo que cuida de questões aduaneiras, diz ver conflito ético na obtenção de cortesias se a pessoa se identificar como servidor. Ele considera, porém, ser "menos grave" quando não há contrapartida na função. Lomônaco diz já ter ouvido sobre as cortesias, mas nada concreto. "Existem informes, as situações são comentadas, mas não com elementos palpáveis."


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