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Transponder é alvo de disputa internacional
Agência de aviação americana e Embraer travam batalha comercial e jurídica nos bastidores sobre desligamento do aparelho do Legacy
Ainda não se sabe como o transponder do Legacy, que se chocou com Boeing da Gol, ficou inoperante de forma não-intencional
LEILA SUWWAN
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Enquanto seguem as investigações técnicas e apurações criminais, uma disputa comercial
e jurídica domina os bastidores
internacionais sobre o desligamento do transponder do Legacy, no acidente do vôo 1907
da Gol, que completa um ano
no próximo dia 29.
O transponder é o instrumento que transmite os dados
precisos de posição do avião para centros de controle e outros
aviões -ativando sistemas anticolisão, por exemplo. No caso
do acidente, o foco é no transponder do Legacy, que ficou
inoperante. O mistério sobre
como isso aconteceu de forma
não-intencional virou um duelo de acusações entre o Brasil e
os Estados Unidos.
De um lado, FAA (agência de
aviação americana) aponta o
dedo para a Embraer, fabricante do avião, por ter instalado
um descanso de pés no painel,
exclusivos em jatos da família
EMB-145 -caso do Legacy.
Em julho, um alerta de segurança foi emitido indicando o
risco de desligar esse equipamento ou até de mudar as freqüências de rádio com um esbarrão do pé direito do piloto.
A pedido da Embraer, que se
reuniu com a diretoria da Anac
(Agência Nacional de Aviação
Civil), o Brasil reagiu. Enviou
cobranças "diplomáticas" sobre quais fatos embasavam o
alerta -não teve resposta. E rapidamente providenciou um
estudo para se isentar de incompetência ao certificar o desenho da cabine.
O resultado, obtido pela Folha, é que a tese do pisão não-intencional "é possível, mas
não é provável".
Explica que seria necessário
inclinar o pé à esquerda e pressionar o segundo botão, na fileira vertical de seis botões do gerenciador de freqüências de rádio, chamado RMU, duas vezes
em vinte segundos. Ou seja,
uma manobra de alta destreza
com o dedão do pé direito.
O estudo sutilmente joga a
bola no campo da Honeywell,
fabricante do equipamento.
Primeiro, traz a recordação
que a empresa americana, gigante do mercado de componentes aeronáuticos, já sofreu
um recall de transponder que
não funciona direito em abril
de 2006 que atingia os modelos
da Embraer -mas a Honeywell
sustentou que o transponder
específico do acidente não estava entre os problemáticos.
Depois lembra que o pequeno letreiro branco de aviso que
o equipamento está em "stand
by" no painel permite que os
problemas passem despercebidos pelos pilotos.
No caso do acidente do vôo
1907, o transponder ficou inoperante logo depois de o jato
cruzar Brasília, rumo a Manaus, 55 minutos antes da colisão. Voltou a funcionar 3 minutos depois do choque contra o
Boeing da Gol, após comentário dos pilotos sobre o desligamento do equipamento.
Com o desligamento, os controladores em Brasília não sabiam qual a altitude exata do
avião -no caso, era exatamente
a mesma em que estava o
Boeing que acabou abalroado.
Além disso, o TCAS (sistema
anticolisão) do Legacy e do
Boeing não "conversaram", evitando a tragédia.
Duas outras teses existem sobre o desligamento. Uma é de
que o transponder pode entrar
em "stand by" se o piloto demorar 5 segundos para trocar a
freqüência de rádio, conforme
já apurado em transponders da
Honeywell em 2005.
Outra é de que houve esbarrão com o laptop que os pilotos
usavam naquele momento para
fazer cálculos de pouso e decolagem em Manaus.
Mas a tese do pisão, segundo
a reportagem apurou com outros especialistas, pode não ser
improvável. Isto porque não seria necessário tocar apenas o
botão. Dois esbarrões leves na
região onde está a fileira de botões seria o suficiente para alterar as configurações.
Procurada, a Embraer não
quis comentar a questão ou tecer comentários. Para a empresa -que vende jatos e aviões comerciais primariamente para o
mercado americano- não interessa se indispor com a FAA ou
com clientes. Mas se irritou
com o aviso operacional tão flagrante contra seus jatos. Nesta
semana, até a federação internacional de pilotos repetiu o
aviso para todos seus associados no mundo.
Nos EUA, o ataque não é visto como algo frontal contra a
Embraer, mas visa reduzir o
ônus sob a Honeywell, que estaria pressionada por seguradoras com seu problemático
histórico de transponders.
Além disso, é ré no processo
de indenização que corre em
Nova York, EUA, das famílias
das vítimas do vôo 1907.
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