São Paulo, domingo, 23 de setembro de 2007

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Transponder é alvo de disputa internacional

Agência de aviação americana e Embraer travam batalha comercial e jurídica nos bastidores sobre desligamento do aparelho do Legacy

Ainda não se sabe como o transponder do Legacy, que se chocou com Boeing da Gol, ficou inoperante de forma não-intencional

LEILA SUWWAN
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Enquanto seguem as investigações técnicas e apurações criminais, uma disputa comercial e jurídica domina os bastidores internacionais sobre o desligamento do transponder do Legacy, no acidente do vôo 1907 da Gol, que completa um ano no próximo dia 29.
O transponder é o instrumento que transmite os dados precisos de posição do avião para centros de controle e outros aviões -ativando sistemas anticolisão, por exemplo. No caso do acidente, o foco é no transponder do Legacy, que ficou inoperante. O mistério sobre como isso aconteceu de forma não-intencional virou um duelo de acusações entre o Brasil e os Estados Unidos.
De um lado, FAA (agência de aviação americana) aponta o dedo para a Embraer, fabricante do avião, por ter instalado um descanso de pés no painel, exclusivos em jatos da família EMB-145 -caso do Legacy.
Em julho, um alerta de segurança foi emitido indicando o risco de desligar esse equipamento ou até de mudar as freqüências de rádio com um esbarrão do pé direito do piloto.
A pedido da Embraer, que se reuniu com a diretoria da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil), o Brasil reagiu. Enviou cobranças "diplomáticas" sobre quais fatos embasavam o alerta -não teve resposta. E rapidamente providenciou um estudo para se isentar de incompetência ao certificar o desenho da cabine.
O resultado, obtido pela Folha, é que a tese do pisão não-intencional "é possível, mas não é provável".
Explica que seria necessário inclinar o pé à esquerda e pressionar o segundo botão, na fileira vertical de seis botões do gerenciador de freqüências de rádio, chamado RMU, duas vezes em vinte segundos. Ou seja, uma manobra de alta destreza com o dedão do pé direito.
O estudo sutilmente joga a bola no campo da Honeywell, fabricante do equipamento.
Primeiro, traz a recordação que a empresa americana, gigante do mercado de componentes aeronáuticos, já sofreu um recall de transponder que não funciona direito em abril de 2006 que atingia os modelos da Embraer -mas a Honeywell sustentou que o transponder específico do acidente não estava entre os problemáticos.
Depois lembra que o pequeno letreiro branco de aviso que o equipamento está em "stand by" no painel permite que os problemas passem despercebidos pelos pilotos.
No caso do acidente do vôo 1907, o transponder ficou inoperante logo depois de o jato cruzar Brasília, rumo a Manaus, 55 minutos antes da colisão. Voltou a funcionar 3 minutos depois do choque contra o Boeing da Gol, após comentário dos pilotos sobre o desligamento do equipamento.
Com o desligamento, os controladores em Brasília não sabiam qual a altitude exata do avião -no caso, era exatamente a mesma em que estava o Boeing que acabou abalroado. Além disso, o TCAS (sistema anticolisão) do Legacy e do Boeing não "conversaram", evitando a tragédia.
Duas outras teses existem sobre o desligamento. Uma é de que o transponder pode entrar em "stand by" se o piloto demorar 5 segundos para trocar a freqüência de rádio, conforme já apurado em transponders da Honeywell em 2005.
Outra é de que houve esbarrão com o laptop que os pilotos usavam naquele momento para fazer cálculos de pouso e decolagem em Manaus.
Mas a tese do pisão, segundo a reportagem apurou com outros especialistas, pode não ser improvável. Isto porque não seria necessário tocar apenas o botão. Dois esbarrões leves na região onde está a fileira de botões seria o suficiente para alterar as configurações.
Procurada, a Embraer não quis comentar a questão ou tecer comentários. Para a empresa -que vende jatos e aviões comerciais primariamente para o mercado americano- não interessa se indispor com a FAA ou com clientes. Mas se irritou com o aviso operacional tão flagrante contra seus jatos. Nesta semana, até a federação internacional de pilotos repetiu o aviso para todos seus associados no mundo.
Nos EUA, o ataque não é visto como algo frontal contra a Embraer, mas visa reduzir o ônus sob a Honeywell, que estaria pressionada por seguradoras com seu problemático histórico de transponders.
Além disso, é ré no processo de indenização que corre em Nova York, EUA, das famílias das vítimas do vôo 1907.

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