São Paulo, domingo, 23 de outubro de 2005

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ESTIAGEM NA FLORESTA

Escritor amazonense afirma que, desde quando voltou do exílio, não via uma paisagem tão ruim

"Vi boi morrer na lama", diz Thiago Mello

FABIANE LEITE
DA REPORTAGEM LOCAL

Culpa do homem ou castigo do Jurupari, o grande deus da floresta, a seca que atinge o Amazonas é a pior de todos os tempos, afirma Thiago de Mello, 79, amazonense considerado um dos mais importantes escritores brasileiros. "Como essa, jamais", diz o poeta, que, depois de exilado durante a ditadura, vive no Estado há 26 anos.
Há seis dias Mello voltou espantado de Barreirinha, a 328 km de Manaus, onde mora em uma casa projetada pelo arquiteto Lúcio Costa, à beira do rio Andirá.
"Quando há seca, fica uma praia de 500 metros na frente da casa. Agora, vi a seguinte paisagem: mais de um quilômetro de praia e, quando ela termina, mais de 500 metros de lama. O barco não atraca, é uma lama perigosa, cheia de arraias. Você tem de ir em uma canoa rasa, chega a um lugar que nem a canoa adianta e a lama atola até a metade da perna. O dado mais impressionante é o poço artesiano, atrás da casa, que está dando menos de um terço de água. Essa é a realidade hoje em pelo menos 15 municípios do interior", disse Mello na última sexta-feira em conversa por telefone com a Folha. Ele estava em Recife por causa de um compromisso.
A paisagem triste descrita pelo poeta tem ainda milhares de peixes mortos, entre peixes-boi e tambaquis. "Nas beiradas dos rios o boi desce e morre atolado na lama. Isso eu vi com os meus olhos pela primeira vez desde que voltei", relata. "O rio mais caudaloso do planeta, neste momento, não tem água para o peixe, não tem água potável, não tem água para passagem de barcos. E lá o povo depende da água", continuou.
Mello esteve folheando algumas de suas anotações e percebeu que, na última década, o tempo vinha em mudança. "Diminuiu a friagem, o vento da mata."
Dos caboclos ele ouve, e acredita, na versão de que Jurupari quer castigar os madeireiros, pecuaristas e plantadores de soja que fazem incêndios criminosos.
Dos institutos de pesquisas e de seus estudos, chegam as informações de que o aquecimento global pode ser a origem da estiagem no Amazonas.
"Mas, no caso amazônico, é a devastação o motivo, porque a grande causadora de chuva é a evaporação que vem da copa das árvores. Elas retêm água, mandam ao espaço, e formam-se as nuvens, que voltam em forma de chuva. Na minha opinião, do que estudei, toda ação provoca uma reação", afirma Mello.


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