São Paulo, domingo, 23 de outubro de 2011

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Medo de avião

Desconfiados e sempre pensando no pior, passageiros assistem aula para quem tem grande receio de voar; pagam R$ 3.800, conversam com piloto, visitam avião em hangar e viajam ao Rio

Zanone Fraissat/Folhapress
Maria Cláudia Razze, 27, recebe orientações do gerente de frota da Gol, Alexandre Fontes, 37, em curso para perder o medo de viajar de avião

RICARDO GALLO
DE SÃO PAULO

"Turbulência derruba avião?"
"Não... No geral a gente vê no radar e evita, para não causar desconforto. Tempestade, a mesma coisa..."
"E se o vento levar o avião para a tempestade?"
"Não leva..."
"E se um motor parar?"
"O avião consegue voar com um motor só..."
"E se pararem os dois?"

"Alguém mais quer derrubar avião?", pergunta, irônico, Alexandre Fontes, 37, aos espectadores que o bombardeiam sobre todas as possibilidades de um desastre aéreo -e que não se convencem de que um avião é seguro.
São 20 participantes de um curso para quem tem medo de voar; a etapa que a Folha viu foi um encontro com o estafe da Gol, na última segunda. A empresa cede a estrutura para parte do curso, criado por uma psicóloga.
Havia de tudo um pouco: os que choram a bordo, os que monitoram a expressão dos comissários e, maioria, os que temem turbulência.
Muito comuns foram menções aos acidentes recentes -Air France (2009, 228 mortos), TAM (2007, 199) e Gol/Legacy (2006, 154 mortos).
Engenheiro e gerente da frota da Gol, Fontes tenta explicar que a turbulência incomoda, mas é normal e, quase sempre, detectável. Diz ainda que a chance de um acidente aéreo é remota, uma improvável soma de erros.
Ao lado dele, o comandante Marcelo Fabri fala que mais perigoso é o caminho de carro que faz do aeroporto de Congonhas (zona sul) a Santana (zona norte), onde vive.

PROBABILIDADE
De fato, mais arriscado é o trânsito. No país, são 25 mortes a cada 100 mil pessoas (2008, Ministério da Saúde), contra 1,03 morte por milhão de decolagens (2010, Anac).
Mas a plateia resiste. Ouve aparentemente incrédula à explicação sobre manutenção ("a cada dois dias, um avião faz manutenção preventiva", diz Fontes) e sobre a concepção da aeronave (Martins: "os equipamentos têm redundância; se um não funciona, tem outro").
Quando chega o tópico Air France, uma senhora diz: "É Deus. Se Ele quer, não tem jeito". O estafe evita comentar.
Persuasão mesmo vem quando gerente e piloto falam das experiências pessoais e sobre o quanto gostam de voar. Fabri diz que tem rotina, mulher e filhos, tal qual todos ali. "Nunca tinha pensado nisso", um aluno fala.
"Com o piloto falando, param de focar só coisas ruins e passam a encarar o avião de uma maneira diferente", diz a psicóloga Elvira Gross, 58, que dá o curso desde 2008.
Em comum, todos os alunos da sala são ansiosos, afirma. Como não têm controle sobre um aparelho que voa a 850 km/h a 11 mil metros de altura, surge o medo.

VISITA
A aula termina com a visita a um Boeing 737 no hangar. Eles sobem, tiram fotos, vão à cabine. "De avião parado não tenho medo. O problema é quando voa", diz o vendedor Amauri Cazarini, 59, que, a cada turbulência, se segura na poltrona.
A publicitária Maria Cláudia Razze, 27, se vê em lágrimas sempre que voa. "Não é racional. O voo está tranquilo, mas fico apavorada."
Além da visita à Gol, o curso (que custa R$ 3.800) tem aulas de respiração e controle de ansiedade, treino em simulador de voo e, o teste final, um voo entre São Paulo e Rio -que acontece hoje.


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