São Paulo, segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

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MINHA HISTÓRIA LÍVIA DE BRITO PEREIRA, 28

Tudo de novo

Desempregada vítima das chuvas de 2009 diz que sofre ao ver a tragédia na região serrana

RESUMO
Lívia de Brito Pereira, 28, foi a única moradora da enseada do Bananal a sobreviver nos deslizamentos que mataram 53 pessoas no Réveillon de 2010 em Angra dos Reis. Ela quebrou oito costelas, mas diz que a sua maior dor é a saudade dos 13 parentes que perdeu. É a autora de um poema achado por bombeiros sob escombros na praia que pregava perseverança.

ITALO NOGUEIRA
RAFAEL ANDRADE
ENVIADOS A ANGRA DOS REIS

Vamos voltar para a enseada do Bananal [na Ilha Grande, onde 33 pessoas morreram em 2010] porque está difícil se manter. O aluguel [social, de R$ 510 oferecido pela Prefeitura de Angra dos Reis] é suficiente, mas para meu irmão é difícil ficar aqui porque tem o trabalho dele na ilha. Fica contramão. Eu não estou trabalhando e tive que parar os estudos.
Só sobramos nós dois. Vou ficar com ele. Foi ele quem me salvou da tragédia. Depois de tudo o que aconteceu a gente se sente muito sozinho. Perdemos três irmãos, nossos pais, mãe, sobrinhos, cunhadas, primos. Foram 13 pessoas ao todo. Vou para o Bananal até sair a casa da prefeitura [previsto para abril]. Para mim é difícil conviver com tudo lá, mas é a única casa que eu tenho como refúgio. Onde meu irmão for, tenho que ir com ele.
Depois do acidente eu quis voltar porque precisava ver, mas nunca fiquei muito tempo. A gente precisa ser forte, mas eu evito ficar no lado [da praia] onde vivi. Hoje, eu consigo superar.
É uma noite que deveria ser esquecida. Mas, como para mim foi um milagre de Deus, tenho mais força para contar. No dia, quando estava dormindo, escutei como se alguém estivesse me chamando para pular da cama. Quando abri a porta fui jogada longe e não lembro mais de nada. Foi nessa hora que meu irmão me encontrou na praia, que era uma distância grande do quarto onde eu estava. Ele disse que eu estava em pé chamando pela minha mãe, mas não me lembro.
Só vi que era real quando senti dor. Tentei apoiar em alguma coisa e não conseguia. Já estava desmaiando quando meu irmão me achou. Quando acordei estava na casa de uma colega. Nem sabia o que estava acontecendo. Meu irmão ainda foi tentar salvar meu tio. Meu irmão foi muito forte, porque ele tirou a mim e meu tio com vida. Nossa sobrinha morreu nos braços dele. Meu tio ficou quatro meses no hospital, mas faleceu. Para mim, meus parentes não se foram. Eles viajaram e um dia voltarão.
Quebrei oito costelas e estou em recuperação. Tive hemorragia nos pulmões. Quando cheguei ao hospital tinha dificuldade de respirar. Minha vida é um milagre.
Eu fiquei quase um mês internada no hospital. Um dia meu irmão chegou ao hospital e segurou a minha mão. Eu perguntei para ele porque não via ninguém. Ele falou que só tinha a gente.
O que dói mais é a saudade. Era uma família unida. Perdi um irmão com 18 anos, uma sobrinha com 13. Minha família era minha segurança.
Passei o Réveillon na igreja. Não é uma data que eu goste de lembrar. Quando vejo tudo acontecendo de novo [na região Serrana do Rio]... Só de ver eu choro. Ouvindo o depoimento das pessoas chorei muito, porque parece que estou vivendo tudo de novo. Só quem perde sabe a dor daquela família.


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