São Paulo, sábado, 24 de fevereiro de 2001

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SAÚDE

Laboratório, de Rio Preto, foi interditado; Secretaria Estadual da Saúde suspendeu a comercialização e o uso do produto

6 morrem após aplicação de soro glicosado

VÂNIA CARVALHO
DA FOLHA VALE

Seis pessoas morreram em duas cidades do Vale do Paraíba e tiveram suas mortes atribuídas à aplicação de soro glicosado em hospitais conveniados ao SUS (Sistema Único de Saúde).
Cinco mortes ocorreram na Santa Casa de Guaratinguetá (177 km de São Paulo). A sexta morte foi em Cruzeiro (210 km de São Paulo). Segundo a Folha apurou, pelo menos três pessoas estão internadas em UTIs (Unidades de Tratamento Intensivo) da região.
As vítimas fatais apresentaram quadro idêntico de insuficiência renal e hepática e distúrbio grave de coagulação sanguínea.
As mortes ocorreram em média 24 horas depois da aplicação do medicamento, que agora é investigado como a possível causa.
As vítimas receberam um soro com glicose fabricado pela empresa Labormédica Industrial Farmacêutica Ltda., de São José do Rio Preto (451 km de SP).
Ontem, a Secretaria da Saúde de São Paulo suspendeu a comercialização e o uso de soro glicofisiológico fabricado pelo laboratório.
Ao mesmo tempo, a Secretaria da Saúde de São José do Rio Preto interditou o laboratório, instalado na cidade, e proibiu a fabricação dos medicamentos sob suspeita, até que seja divulgado laudo oficial de análise pelo Estado.
O lote suspeito, número 45.794, fabricado em dezembro, tem validade de três anos. Segundo o Centro de Vigilância Sanitária do Estado, o medicamento apresentava "visível turbidez".
Amostras do lote de soro glicosado suspeito de provocar as mortes foram encaminhadas ao Instituto Adolfo Lutz anteontem. O resultado deve ser divulgado em três dias.
O dono do laboratório interditado, Anísio José Moreira Júnior, negou que seus produtos estejam contaminados. Ele disse que "soro não mata ninguém", mesmo que supostamente contaminado (leia texto ao lado).
O diretor-técnico da Santa Casa de Cruzeiro, Plínio Luiz Nunes Dias, disse que registrou três casos de reação ao soro em sua unidade. Todas as três eram mulheres que foram submetidas a cirurgias cesarianas.
Segundo ele, no último dia 15, uma gestante recebeu o soro durante a cesariana. Três horas depois, a paciente de 21 anos começou a apresentar insuficiência nos rins e fígado e dificuldades de coagulação. A morte ocorreu no dia seguinte à cirurgia.
Outras duas mulheres que passaram por cesarianas nos dias 19 e 21 tiveram as mesmas complicações e estão internadas em estado grave em hospitais de Taubaté e Guaratinguetá.
"O único medicamento utilizado em comum nas três pacientes foi o soro com glicofisiológico", disse Dias.
Gilberto Nering, diretor administrativo do Hospital Frei Galvão, de Guaratinguetá, onde não houve vítimas fatais, disse que um dos pacientes de hemodiálise da unidade apresentou distúrbios após uma sessão há duas semanas. "Suspendemos o uso dos medicamentos do laboratório."
A equipe de controle de infecção hospitalar foi acionada e exames realizados nos medicamentos constataram a presença da bactéria estafilococos em soluções de hemodiálise, água para injeção, soros e glicose.
"Acredito que todos os medicamentos devem ser recolhidos por precaução", disse.
A Santa Casa de Guaratinguetá tem um paciente hospitalizado em estado grave, na UTI. A direção informou que só vai se pronunciar sobre as mortes depois da divulgação do resultado dos exames do Adolfo Lutz.
A diretora da DIR de Taubaté (que abrange Guaratinguetá e Cruzeiro), Nádia Maria Magalhães Meireles, disse que, após as mortes, todos os hospitais da região foram avisados para evitar novos problemas e recolher informações sobre novas mortes.
"Estamos determinando a suspensão do uso por precaução, até que sejam esclarecidas as mortes", disse.
A Secretaria de Estado da Saúde informou que não existe risco de falta de glicose no Carnaval por causa da suspensão, porque a compra dos produtos médicos é descentralizada.

Casos em Rio Preto
Em São José do Rio Preto, existem pelo menos dois registros de pacientes que supostamente foram vítimas de outros três produtos do mesmo laboratório.
Delaine Silmara Lopes, 32, e o aposentado Valter André Lui, 59, foram parar na UTI (Unidade de Terapia Intensiva) com infecção generalizada no início do mês.
Ela tinha se submetido a uma cirurgia ginecológica. Ele fez uma cirurgia de retirada de varizes. Delaine já teve alta. Lui, com complicações renais, continua internado.
A paciente é cunhada do secretário da Saúde do município, José Carlos Cacau Lopes, que disse ter descoberto o problema ao visitá-la no hospital.
Ele acredita que a contaminação do soro pode ocorrer durante o processo de fabricação, no transporte ou mesmo no armazenamento nos hospitais.
O Hospital Nossa Senhora da Paz, que fez as cirurgias, atribui as infecções à contaminação de medicamentos comprados da Labormédica. Laudo de análise feita por um laboratório particular, encomendado pelo hospital, revelou a presença de três bactérias nos produtos.
Os pacientes utilizaram cloreto de sódio, glicose em solução isotônica e ringer conlactato. Os lotes suspeitos são os de números 45.951, 45.262 e 45.406. Amostras foram enviadas para o Instituto Adolfo Lutz para análise. O laudo sai no início de março.
Rastreamento feito pela Vigilância Sanitária do município constatou que foram vendidas 11.893 unidades de 500 ml dos lotes suspeitos para 35 hospitais de SP, SC, RS, ES, RJ, MG e PR.


Colaborou Edmilson Zanetti, da Agência Folha, em São José do Rio Preto



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