São Paulo, domingo, 24 de fevereiro de 2008

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NAGASAKI

"Corpos foram incinerados no quintal"

DO ENVIADO A BASTOS (SP)

Três dias já haviam se passado desde que a bomba atômica caíra em Hiroshima e ninguém em Nagasaki sabia ao certo o que ocorrera. Aos 9 anos, Nobuaki Honda brincava no quintal de casa às 11h02 de 9 de agosto de 1945 quando ouviu o vôo rasante de um avião.
O som foi seguido de um clarão, acompanhado de um estrondo, que Honda e irmãos pensavam ser um terremoto. Na seqüência veio o deslocamento de ar, que destelhou a casa de madeira e jogou tatames e móveis a distância.
Veio o aviso para a fuga ao abrigo subterrâneo. "Depois de algumas horas, os feridos, queimados em carne viva, pele rasgada, couro cabeludo derretido, começaram a chegar à caverna. Não dava para saber se era homem ou mulher."
Mães traziam filhos mortos nas costas. Para Honda, essa imagem foi o pior do terror. Ao entardecer, outro alerta dava conta de que era perigoso ficar no subsolo. A fuga agora era para as montanhas.
Honda passou dois dias dormindo num cemitério, ao lado de corpos chamuscados, que podiam ser parentes ou amigos. "Não era possível saber."
Depois de dois dias, Honda voltava para casa. Com a ajuda dos irmãos (ele era o mais velho), limpou tudo e tentou voltar às atividades normais.
Havia dezenas de corpos jogados no quintal que antes servira de playground. A prefeitura fez ali mesmo uma vala comum.
"Esse foi o meu maior medo. Os corpos foram incinerados ao lado de casa." Honda saiu pela cidade na busca de parentes. Não achou ninguém, apenas corpos e pedaços de corpos irreconhecíveis.
Hoje aos 72 anos, Honda não traz seqüelas da explosão. Tem arritmia cardíaca, que os médicos não relacionam à radiação.
Veio ao Brasil trabalhar na criação do bicho-da-seda, mas comprou e vendeu ovos e ainda foi peixeiro. Hoje é aposentado, campeão de karaokê e não tem filhos. Não é difícil entender o porquê.


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