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HIROSHIMA
"As pessoas fugiam como baratas tontas"
DO ENVIADO A BASTOS (SP)
O sol brilha alto -é verão no Japão-, mas
Hiroshima está escura como a noite. O ar pesado da
nuvem radioativa é sufocante, e o calor que emana
da flama branca e incandescente vaporizava os japoneses vivos na morte. O
cheiro doce de seres humanos crestados embrulhava o estômago de Shunji Mukai, 15. Ele vomita.
A apenas 1,5 km do local
da explosão, Mukai estava
na escola às 8h15 de 6 de
agosto de 1945. Havia
2.000 alunos. As aulas começavam às 8h. A escola,
na verdade, disfarçava
uma indústria bélica.
A família Mukai era de
seis irmãos, além de pai e
mãe. A casa deles ficava a
cem metros do centro da
explosão, mas às 8h15 só
os pais estavam lá.
À queda da bomba, perdeu os sentidos. Ficou desacordado até ser resgatado. "Quando percebi o estrondo, já estava no chão."
O grupo saiu dos escombros ferido e estonteado,
com sangue a correr dos
olhos, da pele e do nariz.
"Todos começaram a fugir como barata tonta", diz
Mukai, olhos marejados
pela lembrança.
A primeira reação, diz
Mukai, foi a de ir na direção de casa, mas as construções em fogo, atiçado
pelo vento, o fizerem recuar. A saída era o mar.
Na fuga, uma chuva ácida e radioativa, "negra como lama", queimava como
brasa a pele já em carne viva. Cambaleando, buscava
abrigo. Roupas haviam-se
convertido em farrapos ou
se misturado à pele.
Na praia, foi reconhecido pelo irmão, que o levou
nos braços para casa, "um
monte de carvão, que se
esfacelou ao ser tocado".
Alcançaram um refúgio
subterrâneo, onde ficam
um dia. Mukai ficou dois
anos hospitalizado, com
queimaduras por todo o
corpo. Até hoje tem reações pela radiação na pele,
que médicos não sabem
decifrar. Sofre ainda de
amnésia e desidratação.
Órfão, veio com todos os
irmãos para o Brasil. Trabalhou num cafezal de
Lins. "Até os 30 anos, pensei: que besteira que fiz.
Hoje, vivo feliz."
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