São Paulo, domingo, 24 de fevereiro de 2008 |
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GILBERTO DIMENSTEIN Vacina contra as drogas
CONVERSEI SEMANA PASSADA
com um jovem de classe média que virou traficante -categoria crescente nos registros policiais. Estudante universitário, fumava maconha na adolescência, depois começou a usar cocaína, crack,
LSD e diversos tipos de cogumelo.
Encantavam-no especialmente os
alucinógenos: "Um dia eu vi pessoas
dançando no reflexo da Lua". Essa proteção foi captada pelo psicólogo Murilo Battisti, que desenvolve tese de pós-graduação na Universidade Federal de São Paulo. Durante cinco anos, entre 2001 e 2006, ele acompanhou um grupo de 32 jovens que consumiam ecstasy e notou características comuns entre os que abandonaram as viagens das baladas. Ao mesmo tempo em que deixavam o consumo de drogas químicas, valorizavam mais a faculdade, a construção de uma carreira profissional e já começavam a pensar em formar uma família. Nesse grupo, todos eram universitários. Pouco surtia efeito, segundo Battisti, um discurso trágico de advertência sobre os perigos do vício. A consciência do problema só viria com a percepção clara das perdas -e a noção da perda vinha acompanhada da construção de um projeto de vida, ou seja, do sonho. A visão positiva do futuro funcionava como vacina porque protegia contra a busca do prazer a qualquer custo, sem medir os limites: o sonho é mais eficiente do que o porrete. A divulgação de dados (como ocorreu na semana passada) sobre o aumento de 1.700% em 2007, em comparação com o ano anterior, da apreensão de ecstasy, o aumento de número de notícias sobre o envolvimento da classe média no tráfico e o sucesso de filmes como "Tropa de Elite" e "Meu Nome Não É Johnny" têm ajudado a colocar o debate onde deveria estar. Pode-se brigar, com bons argumentos, sobre as vantagens e as desvantagens da descriminalização das drogas, mas é consenso que a repressão ataca o sintoma, não a causa. Como está se especializando em biopsicologia, Battisti sabe que a vacina dos sonhos tem muitos limites. Uma parte dos dependentes, mesmo com perspectivas profissionais e laços afetivos sólidos, sujeita-se às armadilhas da genética, já que existe em algumas pessoas uma natural propensão à dependência química. O excesso de consumo tende, ao mesmo tempo, a prejudicar o estudo e o trabalho, gerando, além de distúrbios neurológicos, baixa auto-estima e maior dificuldade de construção de um projeto de vida. Embora, na maioria dos casos, funcione, a vacina é uma proteção que não pode ser construída só pelo jovem. Exige atitudes da escola e da família para um equilíbrio entre a imposição de limites e o acolhimento. Repete-se há muito tempo que os pais não estabelecem limites a seus filhos adolescentes, o que ajuda a entender o problema, mas não o resolve. "Isso não significa que ser muito duro funcione", alerta o psicólogo. A dependência fragiliza o indivíduo e, sem apoio em casa, ele tende a ficar mais isolado e próximo de seus amigos. A escola deve propiciar o maior número possível de experimentações para que seja possível transformar vocação e talento em habilidade. Cabe à escola auxiliar o jovem a construir prazer no fazer. Já sabemos que as formas de inteligência são as mais variadas. Existe inteligência em saber mover o corpo (dançar ou jogar futebol), em usar a voz (cantar), em administrar conflitos, em liderar, em saber relacionar-se com os outros -traços esses, aliás, cada vez mais valorizados pelo mercado de trabalho. O prazer do sonho é algo tão sedutor como a irrealidade da dança nos reflexos da Lua, com a vantagem de que serve de vacina para ajudar a evitar a realidade das drogas. PS - Coloquei em meu site (www.dimenstein.com.br) o detalhamento da pesquisa do psicólogo Murilo Battisti e entrevista com o jovem, citado nesta coluna, que deixou o tráfico de drogas.
gdimen@uol.com.br |
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