São Paulo, domingo, 24 de abril de 2005

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Sete educadores ouvidos pela Folha afirmam que é comum encontrar vícios de linguagem típicos da internet em redações feitas por alunos em colégios

Pq jovens tc axim?

ANTÔNIO GOIS
DA SUCURSAL DO RIO

Quando surgiu, a linguagem típica dos jovens na internet -onde aqui vira "aki", não é "naum" e beleza é "blz"- parecia estar restrita aos chats, blogs e ICQs. O uso do "internetês", no entanto, já começa a influenciar a escrita de adolescentes em sala de aula e preocupa educadores.
De 12 escolas particulares do Rio e de São Paulo consultadas pela Folha, sete afirmaram que vícios típicos da internet já são comuns em redações e trabalhos, três disseram que eles aparecem raramente e somente duas nunca identificaram esse tipo de erro.
O uso dessa linguagem, com total desrespeito às normas cultas, não é uma invenção brasileira. Ela é fruto da primeira geração de jovens que foi alfabetizada ao mesmo tempo em que aprendia a se comunicar pela internet. A necessidade de conversar usando o teclado do computador de forma ágil fez com que, rapidamente, o "internetê" se alastrasse em quase todos os grupos de adolescentes com acesso à internet.
Os educadores ouvidos pela Folha foram unânimes em afirmar que não cabe à escola punir ou tentar proibir que, entre eles, os adolescentes se comuniquem assim. O risco, apontam todos, é de eles usarem essa linguagem em ambientes onde ela não é adequada, como é o caso das escola.

Reação
Para "reagir" à entrada do internetês na sala de aula, alguns estabelecimentos de ensino têm adotado soluções criativas. No colégio Humboldt, de São Paulo, o problema foi identificado quando a escola pediu que seus alunos escrevessem cartas para estimular o diálogo com os estudantes de uma escola pública vizinha.
"A coordenadora da escola municipal nos ligou dizendo que estava havendo um problema de comunicação, já que muitos alunos de lá não entendiam a linguagem cifrada dos estudantes que têm acesso à internet. Isso aconteceu em mais da metade dos bilhetes e muitos tiveram que ser reescritos", conta Lucy Wenzel, coordenadora do ensino fundamental do Humboldt.
A partir deste problema, o colégio sugeriu que os professores trabalhassem essa questão em sala de aula. "Quisemos mostrar que, na internet, essa linguagem entre eles é adequada, mas, na escola, deve-se usar a língua padrão", afirma Wenzel.
Atividade parecida foi feita pela professora de redação e literatura Muna Omran, da escola Dínamis, do Rio. Ela afirma que já percebe com freqüência erros de ortografia típicos do "internetês" em trabalhos escolares. Para evitá-los, pediu que os alunos construam um texto nessa linguagem e que, depois, o "traduzam".
Na escola Parque, do Rio, o professor de literatura João Guilherme Quental resolveu atacar o problema no campo do "inimigo" e criou uma comunidade na internet para que os alunos troquem mensagens e poemas.
"A contaminação [do internetês] já é visível e aparece até em provas de vestibular, mas não adianta proibir os alunos de se expressarem assim. O que fizemos foi criar uma comunidade na internet onde eles têm total liberdade para escrever. Aos poucos, os alunos vão percebendo que aquela linguagem tem uma limitação e que só funciona num certo meio e para um certo tipo de interlocutor", diz Quental.
As escolas já percebem também que o "internetês" está sendo usado em troca de bilhetes e mensagens por escrito. "Em qualquer bilhete, os alunos já utilizam esse tipo de linguagem. Isso acaba influenciando a escrita", diz Carla Tullio, professora de português e informática do colégio Santo Américo, de São Paulo.
Os professores contam que ainda é muito raro encontrar um aluno que escreva toda a redação nessa nova linguagem vinda da internet. O mais comum é o uso inconsciente de acho com xis, aqui com "k", você como "vc" e até mesmo não como "naum".
A intensidade desses erros depende muitas vezes do grau de facilidade que o estudante tem com a norma culta. "Em alunos que já apresentam mais dificuldade, essa situação é mais grave", conta a professora de português Luci Prudente de Mello, do colégio Assunção, de São Paulo.
Apesar de todo o esforço para impedir que o "internetês" chegue às escolas, todos os colégios ouvidas pela Folha deixam claro que de nada adianta satanizar a nova linguagem. Quando procuradas pelos pais, a recomendação dada, em geral, é entender que isso não é um problema, desde que fique restrito a um ambiente onde essa linguagem é adequada.
"Outro dia, um pai falou que iria proibir o filho de usar o computador. Disse que era bobagem, que o filho dele sabia mais do que ele. É uma nova linguagem que é legítima", afirma o coordenador de ensino fundamental do colégio Ítaca, de São Paulo.
Mesma opinião tem Francisco Aguirra, coordenador pedagógico do colégio I.L.Peretz, também de São Paulo. "Tentamos mostrar aos pais que seus filhos estão utilizando outra linguagem. Eles falam "olha como meu filho está escrevendo, que horror", mas os alunos já sabem que aqui na escola não é permitida a utilização desse código".


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