São Paulo, sábado, 24 de abril de 2010

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ENTREVISTA

IVO PITANGUY

Não me sinto velho e não vou parar, diz médico, 83 (ou 86)

Cirurgião plástico brasileiro mais respeitado no mundo fala sobre o seu próprio envelhecimento, o ritmo de trabalho, seu legado e o futuro da sua especialidade

Daryan Dornelles/Folha Imagem
Ivo Pitanguy, brasileiro famoso por criar técnicas de cirurgia plástica

AO LONGO de 60 anos de carreira, o médico Ivo Pitanguy formou 500 médicos de 50 países. Com as novas técnicas que criou para a cirurgia plástica, ficou tão conhecido no mundo quanto Pelé. Por suas mãos passaram atrizes suficientes para montar uma superprodução de Hollywood, como Sophia Loren, Gina Lollobrigida, Candice Bergen, Marisa Berenson e Ursula Andress -mas não adianta perguntar, o "doutor", como é chamado por todos na clínica de Botafogo, não revela a lista. Elas é que demonstraram gratidão. Aos 83 anos (ou 86), exibe vigor físico e mental: mergulha, joga tênis e luta caratê. E diz que quem convive bem com a própria imagem -como ele- não precisa de bisturi.

VINÍCIUS QUEIROZ GALVÃO
ENVIADO ESPECIAL AO RIO

A dois meses de completar 84 anos -ou 87, há uma controvérsia em torno da sua idade real e a do registro de nascimento-, o cirurgião plástico Ivo Pitanguy diz não se sentir velho e que não pensa em parar de atender pacientes e operar.
Sobre os boatos de que sofre do mal de Parkinson, doença neurodegenerativa que provoca tremedeira nas mãos, desmente o falatório com trabalho. "Não tremo, tenho a mão bem firme", diz enquanto dá golpes de caratê, do qual é faixa preta.
Dá consultas e opera de segunda a quinta. Só para na sexta para ir de barco à ilha particular que tem em Angra dos Reis. Na véspera da entrevista que se segue, havia atendido 11 pacientes que o procuravam pela primeira vez. No dia seguinte, viajou à Europa para dar uma palestra em Monte Carlo. Falou em francês.

 

FOLHA - Hoje o sr. delega a parte mais laboriosa das cirurgias à equipe. Cansou de operar?
IVO PITANGUY -
Muitas coisas não estão dentro da minha especialidade. Muitas coisas que eu fazia muito já faço menos. Não delego sem ter responsabilidade. É o que cria o espírito da clínica. Nunca operei sozinho.

FOLHA - E como convence os pacientes a confiar na sua equipe do mesmo jeito que confiam no sr.?
PITANGUY -
A transmissão de confiança não é fácil. Por isso ainda dou consultas e opero. Há vários pacientes que só têm confiança em mim. Quando não participo, a consulta e a cirurgia são mais baratas.

FOLHA - Antes, a clínica fechava na sua ausência. O que mudou?
PITANGUY -
Uns oito anos atrás, a clínica fechava literalmente. Com a ideia de que a clínica continue sem a minha presença, quando eu for embora, criei o Instituto Ivo Pitanguy, responsável pela parte de ensino. Sei que não é fácil.

FOLHA - Quando vai parar?
PITANGUY -
O que me cansa não é a sala de cirurgia. O mais difícil é a consulta. Ontem atendi 11 pacientes pela primeira vez. E me aposentar? Quando o ser humano faz coisas de que gosta, o pior é deixar de fazer. Trabalhar não me impede de viajar, de fazer esporte. Não sei quando saio para trabalhar ou fazer outra coisa. Não vou parar.

FOLHA - Como o senhor lida com o próprio envelhecimento?
PITANGUY -
Vejo o envelhecimento físico diante do envelhecimento mental e diante da angústia dos anos que já não tenho. Se não souber trabalhar essa parte, a parte física não vale nada. Cheguei numa fase da vida que, em função da gravidade, não estou tão harmônico. Não coloco uma roupa colorida, não ponho o cabelo virado para cá. Tenho consciência da minha faixa etária, mas não vivo como se fosse uma fase terminal. Vivo com alegria.

FOLHA - Quando se sentiu velho pela primeira vez?
PITANGUY -
Não me sinto velho. Sentir-se velho é a pior coisa do mundo. O que há de lindo num ser humano é a sua mente, o seu espírito, e isso não envelhece nunca. A imagem é uma parte da vida e não é a mais importante. Não tenho dificuldades nesse aspecto. Colocar-me na posição de aposentado, de velho, no estado de espírito de uma pessoa 30 anos mais jovem do que eu e que já se sente assim, seria lamentável.

FOLHA - O que acha de programas como "Dr. Hollywood", do cirurgião brasileiro Roberto Rey, que explora o antes e o depois de uma plástica?
PITANGUY -
São totalmente fora da realidade. Isso é fora do contexto, da seriedade e da liturgia da boa cirurgia. A plástica não pode ser banalizada. Uma cirurgia não é como ir ao cabeleireiro. Isso é errôneo e antiético.

FOLHA - Como vê o escambo de operar famosos por publicidade?
PITANGUY -
A cirurgia não é mercantil. Isso não faz parte da boa ética médica. E cirurgia plástica é medicina, o cirurgião plástico é antes de tudo um médico. Tem muita gente que não foi preparada tecnicamente e com isso também não foi preparada eticamente.

FOLHA - Deixa de operar se o resultado for contra seu senso estético?
PITANGUY -
É o que mais faço. Existem mamas enormes que são ridículas, não são sensuais, são grosseiras, são feias. Vêm da imagem americana. Há pessoas que querem mudar o biotipo, mas é preciso conviver com ele. Há pacientes que vêm achando que posso esculpi-la. Não tenho a pedra do escultor. Tenho as limitações da ortodoxia da forma.

FOLHA - Depois do transplante de rosto, o que mais pode ser feito?
PITANGUY -
A cirurgia plástica se beneficia do avanço da imunologia e da parte de transplantes de órgãos. O importante é não separar a evolução da cirurgia plástica da evolução da medicina e isso está muito ligado às células-tronco, encontrar materiais biocompatíveis.

FOLHA - Existe um vácuo na elite do Rio com a decadência da alta sociedade e da própria cidade. Essa frustração foi mexida com o pré-sal, o trem-bala, a Copa, a Olimpíada, que deram um sopro de autoestima. Como sente esse otimismo?
PITANGUY -
O Rio nunca deixou de ser um lugar em que houvesse, do carioca, uma autoestima enorme pela cidade. Houve uma queda real nas pequenas elites, isso é fato. O Rio está recuperando o valor, mas sofreu do Brasil inteiro uma perseguição como a de uma mulher bonita sendo perseguida pelo feioso. Em francês há um provérbio que diz assim: "Chassez le naturel, il revient au galop" ["expulsai a natureza, ela volta a galope"]. O Rio é isso.

FOLHA - No que os ricos do Rio são diferentes dos ricos de SP?
PITANGUY -
No Rio não tem tanto rico assim, por isso que os de São Paulo se preocupam com os poucos que tem aqui. Acho que o carioca tem muito medo de mostrar riquezas.

FOLHA - O sr. diz que morre de medo de médico. Por que os médicos são sempre os piores pacientes?
PITANGUY -
Nós conhecemos as falácias da medicina. O médico conhece o seu universo e sabe que está diante do imponderável. Nós, médicos, não deveríamos ter medo da medicina.

FOLHA - Tem medo da morte?
PITANGUY -
Já estive várias vezes próximo da morte. Tenho um certo preparo para isso. Não sinto medo, mas já senti a proximidade da morte. Sinto uma coisa que não é medo. Não posso fazer nada, tenho de aceitá-la. Procuro viver uma eternidade. Isso me deu uma educação de não ter medo da morte.

FOLHA - O que mudaria na Dilma e no Serra, esteticamente falando?
PITANGUY -
Não mudaria nada. Os dois, estando bem com a sua imagem, não têm de fazer nada.

FOLHA - O sr. diz que não fez plástica, mas é vaidoso, tinge o cabelo...
PITANGUY -
Acho que estou melhor sem fazer nada. Sempre vou me achar melhor do que estou e vou adiando sempre, acho que não é importante operar. Pinto o cabelo muito pouco. Só faço para dar satisfação à minha mulher, porque ela gosta. Ter uma vaidade controlada, sem narcisismo, é saudável.

FOLHA - Como o caso Hosmany Ramos mexeu com o senhor?
PITANGUY -
Foi uma coisa lamentável. Ele tinha todo o sucesso de um jovem cirurgião e foi levado por motivos incompreensíveis. Tenho pena de ver alguém seguir um caminho oposto ao que foi preparado.

FOLHA - Há boato sobre Parkinson.
PITANGUY -
Eu tenho Parkinson? [Empunha a mão e dá golpes de caratê.] Não tremo, tenho a mão bem firme. Uma pessoa pública ouve coisas inverídicas e desagradáveis.

FOLHA - O que deixou de fazer na vida que gostaria de ter feito?
PITANGUY -
Não tenho mais a juventude, mas também não tenho nada a lamentar.


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