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ENTREVISTA
IVO PITANGUY
Não me sinto velho e não vou parar, diz médico, 83 (ou 86)
Cirurgião plástico brasileiro mais respeitado no mundo fala sobre o seu próprio envelhecimento, o ritmo de trabalho, seu legado e o futuro da sua especialidade
Daryan Dornelles/Folha Imagem
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Ivo Pitanguy, brasileiro famoso por criar técnicas de cirurgia plástica
AO LONGO de 60 anos de carreira, o médico
Ivo Pitanguy formou 500 médicos de 50
países. Com as novas técnicas que criou
para a cirurgia plástica, ficou tão conhecido no mundo quanto Pelé. Por suas mãos passaram
atrizes suficientes para montar uma superprodução
de Hollywood, como Sophia Loren, Gina Lollobrigida,
Candice Bergen, Marisa Berenson e Ursula Andress
-mas não adianta perguntar, o "doutor", como é chamado por todos na clínica de Botafogo, não revela a
lista. Elas é que demonstraram gratidão. Aos 83 anos
(ou 86), exibe vigor físico e mental: mergulha, joga tênis e luta caratê. E diz que quem convive bem com a própria imagem -como ele- não precisa de bisturi.
VINÍCIUS QUEIROZ GALVÃO
ENVIADO ESPECIAL AO RIO
A dois meses de completar
84 anos -ou 87, há uma controvérsia em torno da sua idade
real e a do registro de nascimento-, o cirurgião plástico
Ivo Pitanguy diz não se sentir
velho e que não pensa em parar
de atender pacientes e operar.
Sobre os boatos de que sofre
do mal de Parkinson, doença
neurodegenerativa que provoca tremedeira nas mãos, desmente o falatório com trabalho.
"Não tremo, tenho a mão bem
firme", diz enquanto dá golpes
de caratê, do qual é faixa preta.
Dá consultas e opera de segunda a quinta. Só para na sexta para ir de barco à ilha particular que tem em Angra dos
Reis. Na véspera da entrevista
que se segue, havia atendido 11
pacientes que o procuravam
pela primeira vez. No dia seguinte, viajou à Europa para
dar uma palestra em Monte
Carlo. Falou em francês.
FOLHA - Hoje o sr. delega a parte
mais laboriosa das cirurgias à equipe. Cansou de operar?
IVO PITANGUY - Muitas coisas
não estão dentro da minha especialidade. Muitas coisas que
eu fazia muito já faço menos.
Não delego sem ter responsabilidade. É o que cria o espírito da
clínica. Nunca operei sozinho.
FOLHA - E como convence os pacientes a confiar na sua equipe do
mesmo jeito que confiam no sr.?
PITANGUY - A transmissão de
confiança não é fácil. Por isso
ainda dou consultas e opero.
Há vários pacientes que só têm
confiança em mim. Quando
não participo, a consulta e a cirurgia são mais baratas.
FOLHA - Antes, a clínica fechava na
sua ausência. O que mudou?
PITANGUY - Uns oito anos atrás,
a clínica fechava literalmente.
Com a ideia de que a clínica
continue sem a minha presença, quando eu for embora, criei
o Instituto Ivo Pitanguy, responsável pela parte de ensino.
Sei que não é fácil.
FOLHA - Quando vai parar?
PITANGUY - O que me cansa não
é a sala de cirurgia. O mais difícil é a consulta. Ontem atendi 11
pacientes pela primeira vez. E
me aposentar? Quando o ser
humano faz coisas de que gosta,
o pior é deixar de fazer. Trabalhar não me impede de viajar,
de fazer esporte. Não sei quando saio para trabalhar ou fazer
outra coisa. Não vou parar.
FOLHA - Como o senhor lida com o
próprio envelhecimento?
PITANGUY - Vejo o envelhecimento físico diante do envelhecimento mental e diante da angústia dos anos que já não tenho. Se não souber trabalhar
essa parte, a parte física não vale nada. Cheguei numa fase da
vida que, em função da gravidade, não estou tão harmônico.
Não coloco uma roupa colorida, não ponho o cabelo virado
para cá. Tenho consciência da
minha faixa etária, mas não vivo como se fosse uma fase terminal. Vivo com alegria.
FOLHA - Quando se sentiu velho
pela primeira vez?
PITANGUY - Não me sinto velho.
Sentir-se velho é a pior coisa do
mundo. O que há de lindo num
ser humano é a sua mente, o
seu espírito, e isso não envelhece nunca. A imagem é uma parte da vida e não é a mais importante. Não tenho dificuldades
nesse aspecto. Colocar-me na
posição de aposentado, de velho, no estado de espírito de
uma pessoa 30 anos mais jovem do que eu e que já se sente
assim, seria lamentável.
FOLHA - O que acha de programas
como "Dr. Hollywood", do cirurgião
brasileiro Roberto Rey, que explora
o antes e o depois de uma plástica?
PITANGUY - São totalmente fora
da realidade. Isso é fora do contexto, da seriedade e da liturgia
da boa cirurgia. A plástica não
pode ser banalizada. Uma cirurgia não é como ir ao cabeleireiro. Isso é errôneo e antiético.
FOLHA - Como vê o escambo de
operar famosos por publicidade?
PITANGUY - A cirurgia não é
mercantil. Isso não faz parte da
boa ética médica. E cirurgia
plástica é medicina, o cirurgião
plástico é antes de tudo um médico. Tem muita gente que não
foi preparada tecnicamente e
com isso também não foi preparada eticamente.
FOLHA - Deixa de operar se o resultado for contra seu senso estético?
PITANGUY - É o que mais faço.
Existem mamas enormes que
são ridículas, não são sensuais,
são grosseiras, são feias. Vêm
da imagem americana. Há pessoas que querem mudar o biotipo, mas é preciso conviver com
ele. Há pacientes que vêm
achando que posso esculpi-la.
Não tenho a pedra do escultor.
Tenho as limitações da ortodoxia da forma.
FOLHA - Depois do transplante de
rosto, o que mais pode ser feito?
PITANGUY - A cirurgia plástica
se beneficia do avanço da imunologia e da parte de transplantes de órgãos. O importante é
não separar a evolução da cirurgia plástica da evolução da
medicina e isso está muito ligado às células-tronco, encontrar
materiais biocompatíveis.
FOLHA - Existe um vácuo na elite do
Rio com a decadência da alta sociedade e da própria cidade. Essa frustração foi mexida com o pré-sal, o
trem-bala, a Copa, a Olimpíada, que
deram um sopro de autoestima. Como sente esse otimismo?
PITANGUY - O Rio nunca deixou
de ser um lugar em que houvesse, do carioca, uma autoestima
enorme pela cidade. Houve
uma queda real nas pequenas
elites, isso é fato. O Rio está recuperando o valor, mas sofreu
do Brasil inteiro uma perseguição como a de uma mulher bonita sendo perseguida pelo
feioso. Em francês há um provérbio que diz assim: "Chassez
le naturel, il revient au galop"
["expulsai a natureza, ela volta
a galope"]. O Rio é isso.
FOLHA - No que os ricos do Rio são
diferentes dos ricos de SP?
PITANGUY - No Rio não tem tanto rico assim, por isso que os de
São Paulo se preocupam com
os poucos que tem aqui. Acho
que o carioca tem muito medo
de mostrar riquezas.
FOLHA - O sr. diz que morre de medo de médico. Por que os médicos
são sempre os piores pacientes?
PITANGUY - Nós conhecemos as
falácias da medicina. O médico
conhece o seu universo e sabe
que está diante do imponderável. Nós, médicos, não deveríamos ter medo da medicina.
FOLHA - Tem medo da morte?
PITANGUY - Já estive várias vezes próximo da morte. Tenho
um certo preparo para isso.
Não sinto medo, mas já senti a
proximidade da morte. Sinto
uma coisa que não é medo. Não
posso fazer nada, tenho de aceitá-la. Procuro viver uma eternidade. Isso me deu uma educação de não ter medo da morte.
FOLHA - O que mudaria na Dilma e
no Serra, esteticamente falando?
PITANGUY - Não mudaria nada.
Os dois, estando bem com a sua
imagem, não têm de fazer nada.
FOLHA - O sr. diz que não fez plástica, mas é vaidoso, tinge o cabelo...
PITANGUY - Acho que estou melhor sem fazer nada. Sempre
vou me achar melhor do que estou e vou adiando sempre, acho
que não é importante operar.
Pinto o cabelo muito pouco. Só
faço para dar satisfação à minha mulher, porque ela gosta.
Ter uma vaidade controlada,
sem narcisismo, é saudável.
FOLHA - Como o caso Hosmany Ramos mexeu com o senhor?
PITANGUY - Foi uma coisa lamentável. Ele tinha todo o sucesso de um jovem cirurgião e
foi levado por motivos incompreensíveis. Tenho pena de ver
alguém seguir um caminho
oposto ao que foi preparado.
FOLHA - Há boato sobre Parkinson.
PITANGUY - Eu tenho Parkinson? [Empunha a mão e dá golpes de caratê.] Não tremo, tenho a mão bem firme. Uma pessoa pública ouve coisas inverídicas e desagradáveis.
FOLHA - O que deixou de fazer na
vida que gostaria de ter feito?
PITANGUY - Não tenho mais a juventude, mas também não tenho nada a lamentar.
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