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SEGURANÇA
Número cresce 31% em comparação ao mesmo período de 2001; indicador de policiais mortos é o 2º menor em sete anos
Polícia de SP mata 68 civis por mês em 2002
MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL
A polícia paulista alcançou outra marca negativa no ano em que
a política de segurança do governo será julgada nas urnas. A média mensal de civis mortos por
policiais entre janeiro e maio é a
segunda maior em dez anos (a outra má notícia foi a queda de
25,6% nas prisões no primeiro trimestre em relação a 2001).
Nos cinco primeiros meses deste ano, a polícia matou 342 pessoas, o equivalente a 68,4 por mês.
Desde 1993, essa marca só foi ultrapassada uma única vez: foi no
ano 2000, quando a média mensal
de mortos por policiais alcançou
69,9, a mais alta nos oito anos de
governo do PSDB em São Paulo.
Entre janeiro e maio de 2001, a
polícia havia matado 262 pessoas,
80 a menos do que no mesmo período deste ano. Em um ano, os
homicídios praticados por policiais cresceram 31%.
É claro que seria ingênuo comparar a polícia paulista com a dos
EUA. Mas um confronto de números pode ajudar a perceber a
diferença de escalas. Em 2000, as
17 mil polícias existentes nos EUA
mataram 297 pessoas, segundo
relatório do Departamento de
Justiça (os dados de 2001 ainda
não foram divulgados). No mesmo ano, as polícias Civil e Militar
do Estado cometeram 839 homicídios. Eis a diferença de escalas:
os policiais de São Paulo, Estado
cuja população é 1/7 da dos EUA,
mataram 20 vezes mais do que os
seus pares americanos.
A justificativa mais frequente
que surge quando aumentam as
mortes de civis por policiais é a de
que o uso do recurso extremo é
uma resposta à audácia crescente
dos bandidos. Se essa hipótese
fosse verdadeira, haveria um aumento no número de policiais
mortos. Não é o que está ocorrendo este ano. Morreram 66 policiais, ou o correspondente a uma
média mensal de 13,2. Trata-se de
um número alto, mas é o segundo
menor índice em sete anos.
Incentivo oficial
Por que, então, a polícia está
matando mais?
Três especialistas ouvidos pela
Folha apontam causas similares:
o discurso em defesa de uma polícia mais dura, feito pelo governador Geraldo Alckmin (PSDB) e
por seu secretário da Segurança,
Saulo de Castro Abreu Filho, funciona, direta ou indiretamente,
como um estímulo à letalidade.
"Quando se aproximam as eleições e há uma explosão da criminalidade, os políticos adotam a
idéia de que bandido bom é bandido morto. É o que está ocorrendo em São Paulo", diz o sociólogo
Luís Antônio de Souza, 39, pesquisador do Núcleo de Estudos da
Violência da USP.
Dois mecanismos operam simultaneamente nessa política, segundo Souza: o governo relaxa o
controle sobre a polícia e envia sinais indiretos de que zelar pela vida dos que se envolvem em confrontos com policiais não é mais a
sua prioridade. "O Saulo representa essa mudança", afirma o
pesquisador, referindo-se ao secretário empossado em fevereiro.
Um dos indícios de que o governo relaxou o controle sobre a polícia é a inoperância neste ano de
uma comissão criada para reduzir
a letalidade de civis e de policiais.
Criada em dezembro de 2000
pelo então secretário Marco Vinicio Petreluzzi, a comissão tinha
como objetivo estabelecer uma
política a ser seguida em casos de
confronto. O plano era minimizar
o risco para o policial também.
Sob a gestão de Saulo, a comissão
nunca mais se reuniu.
O coronel reformado José Vicente da Silva, 56, um dos formuladores da política de segurança
de Mário Covas, então candidato
ao governo em 1994, diz que o aumento de mortalidade é decorrência direta do discurso do governador e do novo secretário.
Para Vicente da Silva, persiste
na polícia brasileira um sistema
de comando que guarda traços da
época do regime militar (1964-1985), quando não era preciso
uma ordem expressa para o confronto armado, mas simples sinais cifrados: "Essa memória está
viva na tropa. Quando se fala que
a polícia tem de ser mais dura, que
ela não teme enfrentamento com
os bandidos, isso é interpretado
como uma tolerância para matar.
Sei como funciona. Comandei batalhão por cinco anos".
O sociólogo Ignacio Cano, 39,
professor da Uerj (Universidade
Estadual do Rio de Janeiro), diz
que os índices de São Paulo não
surpreendem depois do que a polícia fez com o ônibus de supostos
integrantes do PCC (Primeiro Comando da Capital), que resultou
em 12 mortes em abril.
"Não é com mortes que se combate o crime organizado. Tem de
infiltrar, prender, fazer escuta. Vivo, ele poderia dar pistas, mas
bandido morto não fala. Na semana seguinte, os chefões colocam
outros no lugar do morto. Há um
exército de reserva enorme nas favelas", afirma Cano.
O recurso à violência pela polícia serve para o marketing eleitoral, mas não melhora em nada a
eficiência da corporação, segundo
Cano. O Rio de Janeiro é, para ele,
o melhor exemplo.
Lá, o então governador Anthony Garotinho (PSB) estipulou
prêmios que mais do que dobravam o salário de policiais envolvidos em "atos de bravura". "Era
uma forma disfarçada de estimular os policiais a matar e deu no
que deu", acredita Cano.
A resultante dessa política, segundo ele, são bandidos cada vez
mais violentos porque sabem que
a possibilidade de sair com vida
de um confronto com a polícia é
próxima de zero.
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