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PASQUALE CIPRO NETO
"A mão que toca um violão..."
A coluna da semana passada se apoiou no texto "A Fábrica do Poema", do saudoso
Waly Salomão, em que o poeta
baiano fala de "...metonímias,
metáforas, aliterações, oxímoros...". No correr da coluna, vimos
o que são metáforas e aliterações
-e fomos parar em alguns trechos de Chico Buarque.
Os leitores não perderam tempo: escreveram para pedir comentários sobre as outras figuras citadas por Waly (a metonímia e o
oxímoro). De início, convém dizer
que "metonímia", que vem do
grego, equivale a "transnominação", que vem do latim. Em "metonímia", encontram-se os elementos "met(a)-" (que significa
"mudança" e se encontra também em "metamorfose", "metáfora" etc.) e "-onímia" (que significa "nome de coisa ou pessoa" e se
encontra também em "sinonímia", "toponímia" etc.).
Diferentemente da metáfora,
que, como vimos, tem por base relações comparativas, a metonímia consiste basicamente em designar um objeto por uma palavra que tenha com ele uma relação de contigüidade. Tradução:
em "É fundamental ler Machado
de Assis", por exemplo, emprega-se "Machado de Assis" no lugar
da obra desse grande escritor.
Não é preciso ir longe para perceber que a metonímia está presente em nosso cotidiano. Quando chamamos de "gilete" qualquer lâmina de barbear, empregamos a metonímia, já que, na
origem, "gilete" é o sobrenome de
King Camp Gillette, inventor e
primeiro fabricante dessa lâmina
de barbear. O sobrenome do inventor deu origem ao nome da fábrica. Em seguida, o produto passou a ter o nome do produtor.
Na linguagem chula do Brasil,
"gilete" (agora por semelhança,
portanto por metáfora) passou a
designar também o indivíduo bissexual. Como se vê, a metonímia
deu origem a uma metáfora.
Na antológica "Viola Enluarada" (música de Marcos Valle e letra de Paulo Sérgio Valle), encontra-se um dos clássicos exemplos
de metonímia (o da parte no lugar do todo): "A mão que toca um
violão / Se for preciso faz a guerra
(...) / A voz que canta uma canção
/ Se for preciso canta um hino /
Louva a morte (...) / O mesmo pé
que dança um samba / Se preciso
vai à luta / Capoeira...".
Nessa bela letra, escrita na década de 60, "mão", "voz" e "pé"
constituem exemplos de metonímia, já que substituem o ser que
tem a mão, a voz e o pé. Nesses casos, o efeito estilístico da metonímia é inquestionável: salienta-se
cada "parte" do corpo que se presta a algo delicado (tocar violão,
no caso da mão, por exemplo) e a
algo mais bruto (fazer a guerra,
ainda no caso da mão). Essa
guerra, é bom lembrar, tem fundamento ideológico -estamos
na década de 60, e a ditadura já
perpetra seus estragos.
E os benditos "oxímoros", de
que fala Waly? De início, convém
dizer que os dicionários brasileiros registram as formas "oximóron" e "oximoro" (paroxítona,
com intensidade tonal no "o" da
sílaba "mo"). O "Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa", da Academia das Ciências de
Lisboa, só registra a forma "oxímoro" (proparoxítona).
Essa figura consiste basicamente na associação de palavras contraditórias, que teoricamente se
excluem, mas reforçam a expressão ("silêncio eloqüente", "valentia covarde" -do "Aurélio";
"música silenciosa", "obscura claridade" -do "Houaiss"). É isso.
Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras
E-mail - inculta@uol.com.br
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