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"Prender e fazer calar é coisa de ditadura", diz entidade
Federação internacional dos controladores de tráfego aéreo critica a prisão de brasileiros
Christoph Gilgen afirma que o problema do tráfego
aéreo brasileiro está no militarismo e que, aqui, "militar é quase Deus"
VINÍCIUS QUEIROZ GALVÃO
DA REPORTAGEM LOCAL
"Prender e fazer calar são
coisas que ninguém compreende. É coisa da Segunda Guerra
ou de ditaduras." A avaliação é
de Christoph Gilgen, 45, representante da Ifatca (federação
internacional dos controladores de tráfego aéreo, que reúne
mais de 50 mil profissionais em
125 países) na Suíça e que
acompanha de perto a situação
brasileira -esteve na equipe da
entidade destacada para falar
com as autoridades aeronáuticas de Brasília logo depois do
acidente da Gol.
Para Gilgen, o problema do
tráfego aéreo brasileiro está no
militarismo. "No Brasil, militar
é quase Deus", diz.
Ainda na ativa (ele havia acabado de sair da torre de comando quando concedeu esta entrevista por telefone, na noite
da última sexta-feira), o suíço
critica o Brasil por "negar e esconder as coisas" desde o acidente com o vôo 1907 da Gol,
que deixou 154 mortos em setembro do ano passado.
Ele afirma à Folha que os
problemas ainda "vão durar
por anos e anos". Gilgen questiona: "Por que castigar operadores, impor o medo? Isso não
é solução, vai dar ainda mais o
que falar". Leia a entrevista
abaixo:
FOLHA - A Aeronáutica diz que o
momento para o tráfego aéreo no
Brasil é de extrema gravidade. Como o senhor vê essa situação?
CHRISTOPH GILGEN - É difícil de
avaliar de longe, mas sei que é
uma situação bem grave. O presidente da Ifatca está chocado
com essa maneira de prender
presidentes de associação de
controladores. Mas o problema
é que é tudo militar. No Brasil,
militar é quase Deus. É uma
coisa bem séria.
FOLHA - O governo acertou ao determinar a prisão de alguns controladores?
GILGEN - Para mim, isso mostra
claramente governos imaturos.
Eles estão chegando ao limite
das ações. E isso não quer dizer
uma coisa boa. Isso prova a falta de imaginação e de soluções.
Por isso chegam a essas "soluções", que não são soluções, só
atrasam o choque final.
FOLHA - E quais soluções o senhor
propõe para essa crise brasileira?
GILGEN - Desde o início da crise,
o problema é o planejamento e
também uma estrutura completamente errada. E resolver
isso vai demorar, vai demorar
anos.
FOLHA - O fim do militarismo seria
uma solução?
GILGEN - Pode ser uma solução,
mas é preciso ter uma separação estrutural do órgão que fornece o serviço, do órgão que vai
supervisionar o serviço e do órgão que organiza o serviço, como se faz nos EUA, na Europa e
na Ásia, onde quer que se vá. Isso funciona perfeitamente em
180 países. Só há cinco que querem fazer outra coisa. Um deles
é o Brasil, outro é o Uruguai. No
Brasil, apesar da série de problemas, eles [o governo] insistem em dizer que é um serviço
barato.
FOLHA - O que falta para a Ifatca
declarar o espaço aéreo brasileiro inseguro?
GILGEN - O espaço aéreo do
Brasil tem problemas, pode até
acontecer outro acidente, mas
isso não é uma coisa previsível.
O nível de segurança é bastante
baixo. Esse controladores todos sob pressão e estresse também não é uma boa coisa. De
resto, vamos esperar. A Ifatca
não pode, neste momento, declarar o espaço aéreo do Brasil
inseguro.
FOLHA - Como a crise do tráfego
aéreo brasileiro é vista na Europa?
GILGEN - Os profissionais estão
observando isso com muita
preocupação. Essa coisa de
prender, de fazer calar, é uma
coisa que, aqui na Europa, ninguém compreende. Isso é coisa
da Segunda Guerra ou de ditaduras e não é bem-visto.
FOLHA - Que lições o país poderia
tirar do acidente com o avião da
Gol?
GILGEN - A lição é que o sistema
de controle aéreo é complexo e
faz parte da indústria de alto
risco.
FOLHA - O senhor viajaria de avião
com tranqüilidade no Brasil nos dias
de hoje?
GILGEN - (Não responde).
FOLHA - O senhor tem medo de
quê?
GILGEN - Nós, da Ifatca, estamos seguindo bem de perto toda essa situação brasileira. É
uma situação muito difícil. O
que se fez desde a colisão do
avião da Gol foi negar e esconder as coisas. Assim não se resolvem os problemas. Assim,
não. Os problemas vão durar
por anos e anos. Por que castigar operadores, impor o medo?
Isso não é solução, vai dar ainda
mais o que falar.
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