São Paulo, domingo, 24 de junho de 2007

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"Prender e fazer calar é coisa de ditadura", diz entidade

Federação internacional dos controladores de tráfego aéreo critica a prisão de brasileiros

Christoph Gilgen afirma que o problema do tráfego aéreo brasileiro está no militarismo e que, aqui, "militar é quase Deus"

VINÍCIUS QUEIROZ GALVÃO
DA REPORTAGEM LOCAL

"Prender e fazer calar são coisas que ninguém compreende. É coisa da Segunda Guerra ou de ditaduras." A avaliação é de Christoph Gilgen, 45, representante da Ifatca (federação internacional dos controladores de tráfego aéreo, que reúne mais de 50 mil profissionais em 125 países) na Suíça e que acompanha de perto a situação brasileira -esteve na equipe da entidade destacada para falar com as autoridades aeronáuticas de Brasília logo depois do acidente da Gol.
Para Gilgen, o problema do tráfego aéreo brasileiro está no militarismo. "No Brasil, militar é quase Deus", diz.
Ainda na ativa (ele havia acabado de sair da torre de comando quando concedeu esta entrevista por telefone, na noite da última sexta-feira), o suíço critica o Brasil por "negar e esconder as coisas" desde o acidente com o vôo 1907 da Gol, que deixou 154 mortos em setembro do ano passado.
Ele afirma à Folha que os problemas ainda "vão durar por anos e anos". Gilgen questiona: "Por que castigar operadores, impor o medo? Isso não é solução, vai dar ainda mais o que falar". Leia a entrevista abaixo:  

FOLHA - A Aeronáutica diz que o momento para o tráfego aéreo no Brasil é de extrema gravidade. Como o senhor vê essa situação?
CHRISTOPH GILGEN
- É difícil de avaliar de longe, mas sei que é uma situação bem grave. O presidente da Ifatca está chocado com essa maneira de prender presidentes de associação de controladores. Mas o problema é que é tudo militar. No Brasil, militar é quase Deus. É uma coisa bem séria.

FOLHA - O governo acertou ao determinar a prisão de alguns controladores?
GILGEN
- Para mim, isso mostra claramente governos imaturos. Eles estão chegando ao limite das ações. E isso não quer dizer uma coisa boa. Isso prova a falta de imaginação e de soluções. Por isso chegam a essas "soluções", que não são soluções, só atrasam o choque final.

FOLHA - E quais soluções o senhor propõe para essa crise brasileira?
GILGEN
- Desde o início da crise, o problema é o planejamento e também uma estrutura completamente errada. E resolver isso vai demorar, vai demorar anos.

FOLHA - O fim do militarismo seria uma solução?
GILGEN
- Pode ser uma solução, mas é preciso ter uma separação estrutural do órgão que fornece o serviço, do órgão que vai supervisionar o serviço e do órgão que organiza o serviço, como se faz nos EUA, na Europa e na Ásia, onde quer que se vá. Isso funciona perfeitamente em 180 países. Só há cinco que querem fazer outra coisa. Um deles é o Brasil, outro é o Uruguai. No Brasil, apesar da série de problemas, eles [o governo] insistem em dizer que é um serviço barato.

FOLHA - O que falta para a Ifatca declarar o espaço aéreo brasileiro inseguro?
GILGEN
- O espaço aéreo do Brasil tem problemas, pode até acontecer outro acidente, mas isso não é uma coisa previsível. O nível de segurança é bastante baixo. Esse controladores todos sob pressão e estresse também não é uma boa coisa. De resto, vamos esperar. A Ifatca não pode, neste momento, declarar o espaço aéreo do Brasil inseguro.

FOLHA - Como a crise do tráfego aéreo brasileiro é vista na Europa?
GILGEN
- Os profissionais estão observando isso com muita preocupação. Essa coisa de prender, de fazer calar, é uma coisa que, aqui na Europa, ninguém compreende. Isso é coisa da Segunda Guerra ou de ditaduras e não é bem-visto.

FOLHA - Que lições o país poderia tirar do acidente com o avião da Gol?
GILGEN
- A lição é que o sistema de controle aéreo é complexo e faz parte da indústria de alto risco.

FOLHA - O senhor viajaria de avião com tranqüilidade no Brasil nos dias de hoje?
GILGEN
- (Não responde).

FOLHA - O senhor tem medo de quê?
GILGEN
- Nós, da Ifatca, estamos seguindo bem de perto toda essa situação brasileira. É uma situação muito difícil. O que se fez desde a colisão do avião da Gol foi negar e esconder as coisas. Assim não se resolvem os problemas. Assim, não. Os problemas vão durar por anos e anos. Por que castigar operadores, impor o medo? Isso não é solução, vai dar ainda mais o que falar.


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