São Paulo, domingo, 24 de junho de 2007

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Com ar despojado, casas de suco são nova onda no Rio de Janeiro

Lojas de sumo de frutas ampliam clientela fiel com inovações como suco de luz e se tornam uma nova praia para cariocas

Além de refeição rápida, como nas padarias 24 horas de São Paulo, estabelece-se ali um programa com regras e modismos próprios

ITALO NOGUEIRA
DA SUCURSAL DO RIO

É um espreme-espreme até de madrugada, mas não tem nada a ver com o aperto das baladas paulistanas. No Rio, o espreme-espreme está adequadamente instalado nas casas de suco -que, com o clima despojado e a política da "saúde com gosto"- tornaram-se uma outra praia para os cariocas.
A cultura dos sucos na cidade tem paralelo com a relação do paulistano com suas padarias 24 horas -mais do que uma refeição rápida, estabelece-se ali um programa com estilo, regras e modismos próprios.
Ocupando grande parte das esquinas da zona sul do Rio de Janeiro, as lojas acumulam histórias inusitadas e personagens ilustres. No Big Pólis, no Leblon, uma dupla de compositores surgiu em meio às frutas: o profissional e premiado João Donato, 73, e o amador Cléver Barbosa, 34, gerente da casa.
O músico foi amenizar a saudade da filha, que partira para a Bélgica, com um suco no Big Pólis. Adicionou maracujá ao sentimento de ausência e rabiscou no guardanapo: "Para matar a saudade/só um suco de cupuaçu/com maracujá/E à noite/numa esquina do Leblon/ em forma de casal/um beijo ao luar", diz a composição, ainda incompleta.
Para Donato, freqüentador há sete anos do local, a receita de sucesso das casas de suco é o acaso. "Ninguém programa de ir para lá. Acaba parando meio que sem querer. Aí nunca tem ninguém contrariado."

Madrugada
A combinação de alimentação rápida, fidelidade e amizade levou, por exemplo, uma recém-casada a fechar a noite, logo depois da cerimônia, no BB Lanches, no Leblon.
"A Naná me convidou para ir ao casamento. Como trabalho de madrugada, não deu para ir. Ela veio depois da festa para me mostrar o vestido de noiva. Acabou tomando um mate com a gente", conta Francisco Marconi, 43, há 23 anos na madrugada do BB.
A fidelidade às casas de sucos gera amizades e até ciúmes. Na página do BB Lanches no Orkut, clientes disputam quem tem o privilégio de pedir "o de sempre" ao Marconi.

Variedade
Os balcões podem ser simples, com prateleira expondo até 20 frutas diferentes, mas os cardápios estão sendo enriquecidos com mistérios como o suco de Luz do Sol.
O suco é feito a partir do grão germinado de girassol quando -segundo Henrique Souza, 42, dono da loja Universo Orgânico, também no Leblon- retém a maior quantidade da "força vital" possível. Tendo como ingredientes legumes, maçã, linhaça, cenoura, abóbora e maxixe, daria "a energia acumulada a partir da luz do Sol" aos seus consumidores.
Souza vê seu comércio mais do que como negócio. É uma espécie de "religião" -adotada após descobrir, aos 32 anos, que estava com o colesterol altíssimo. Mas vê hereges.
"Volta e meia a gente vê pessoas comprando um suco de Luz do Sol e indo ali na frente e comer um sanduíche, um pão de queijo", lamenta.

Turismo
"Os turistas, quando vêm aqui, ficam malucos. Começam a pedir cada mistura: manga com limão, melancia com morango e laranja... Às vezes pedem um suco atrás do outro para provar", conta o dono do Pólis Sucos de Ipanema, Antônio Castro, 70.
A casa de Ipanema era freqüentada na década de 80, por exemplo, pelo presidente João Baptista Figueiredo. De acordo com Castro, ele tinha como preferência o suco de manga. "Vinham ele e o irmão, que era dentista e tinha um consultório aqui perto."
Aos poucos algumas casas de suco vão abandonando a simplicidade inicial, avançando sobre a calçada mesas e cadeiras para seus clientes. São os "bancos-esteiras" das esquinas do Leblon -que acabam servindo às casas- os que compõem o cenário que representa a vida "relax" dos jovens da zona sul carioca.
"A gente senta aqui, vê as pessoas passando, fica conversando... É bem melhor do que essas lanchonetes. Não senta dentro de uma loja e fica morrendo de calor", disse Carla de Oliveira, 20, enquanto ajeitava o cabelo com mechas claras marcadas pelo sol.


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