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Invasão na USP revela um desejo paradoxal por ordem
Os sociólogos Francisco de Oliveira e Laymert Garcia dos Santos e o filósofo Paulo Eduardo Arantes discutem o significado da crise na USP
Movimento estudantil rompeu hiato de apatia, mas seu objetivo é conservador
UIRÁ MACHADO
COORDENADOR DE ARTIGOS E EVENTOS
"O período das grandes marchas acabou", afirma o filósofo
Paulo Arantes. A invasão da reitoria da USP também. E agora?
Seria um equívoco procurar
no passado -e na mística de
68- a chave de compreensão
do movimento liderado pelos
estudantes contra o governo do
Estado e o comando da universidade. Parece haver algo de
novo no ar, embora ainda não
seja possível dizer exatamente
o que nem afirmar qual o legado que deixará para a esquerda.
O que já se sabe é que nasce
com o mérito de romper um
hiato de apatia e desmobilização, mas marcado por um paradoxo: o movimento que se pretende revolucionário e desafia
a ordem legal é o mesmo que luta por pautas conservadoras e
para restabelecer a ordem.
A análise é de Paulo Arantes e
dos sociólogos Francisco de
Oliveira e Laymert Garcia dos
Santos, três dos mais importantes intelectuais da esquerda
brasileira, próximos dos estudantes e simpáticos ao movimento. A Folha os convidou na
última terça-feira para debater
o significado da crise na USP,
quando o cenário para o fim da
invasão já estava desenhado.
Naquele dia, Arantes e Oliveira -e mais alguns colegas-
participaram de uma reunião
com a reitora da USP, Suely Vilela, para discutir os rumos da
crise na universidade. Ficaram
ainda mais convencidos da irrelevância da política.
"A ocupação da reitoria da
USP mostra de forma escancarada que a política tradicional
não tem mais capacidade de
processar os conflitos sociais",
afirma Oliveira. "É essa incapacidade que eu venho chamando
de irrelevância da política."
Adeus às marchas
"Simplesmente estamos nos
dando conta de que política pode ser outra coisa. Um pontapé
na porta rompeu uma rotina de
decretos, de apatia. E fez com
que um governo prepotente revogasse os decretos. Pode ser
que o movimento não tenha
um futuro. Daqui a dois dias
[última quinta-feira] vão desocupar e não se sabe o que vai
acontecer. Estamos vivendo
um tempo inesperado, porque
não entra nos parâmetros antigos. O período das grandes
marchas acabou", diz Arantes.
O filósofo compara a situação
atual com a de 2000, quando os
alunos se associaram a outros
setores em greve e conseguiram mobilizar 50 mil pessoas
na avenida Paulista (15 mil, segundo a Polícia Militar).
Ele diz que o movimento de
agora, "do ponto de vista política, é uma molécula", mas produziu "um deus-nos-acuda que
não havia sido visto". A reação,
diz Arantes, é desproporcional.
Se a política tradicional está
em xeque, dizem eles, é preciso
buscar outras formas de olhar
para a crise na USP. E uma delas é justamente a reação da sociedade -mas, sobretudo, a da
própria universidade.
Quando os estudantes estavam havia poucos dias na reitoria, professores da FFLCH (Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas), unidade
tradicionalmente de esquerda,
escreveram textos condenando
a violência da ocupação. Outros
professores organizaram uma
passeata anti-invasão.
"São manifestações de extrema-direita que nem na ditadura nós tivemos", diz Arantes.
"O grau de apatia, letargia e
neutralização da política chegou a um ponto que reivindicar
o que os alunos estão reivindicando e apontar os limites das
ações do governo já é uma coisa
escandalosa", diz Laymert.
Aí apontam o que, para eles, é
o grande mérito dos estudantes: se manifestar contra algo
com o que não concordavam.
Essa linha de raciocínio os leva a considerar que a ordem, na
verdade, é uma desordem aceita por todos. O primeiro ato de
violência, dizem, não partiu dos
estudantes, mas de José Serra,
que decidiu governar por decreto e atacar a autonomia das
universidades. O mesmo vale
para o plano federal, em que,
desde FHC, a prática é governar por medidas provisórias.
"A surpresa foi que ainda
existe gás para reagir quando
tudo vinha sendo engolido passivamente", diz Laymert.
No começo do ano, o governador José Serra (PSDB) editou uma série de decretos que,
segundo parte da comunidade
acadêmica, ameaçavam a autonomia universitária. No dia 31
de maio, publicou um inédito
decreto declaratório e revogou
quase todos os itens que estavam sob a mira dos alunos.
Paradoxo
A medida foi considerada um
recuo de Serra e uma vitória
dos estudantes. Mas essa conquista encerra um paradoxo.
"Eu já disse isso a eles [os alunos], e eles ficam meio aborrecidos: foi uma ação de subversão -que parece subversão,
mas não existe subversão numa
sociedade permissiva- para o
retorno ao statu quo ante. Zapatistas, ex-maoístas, trotskistas, independentes se juntaram, ocuparam a reitoria para
que o reitor tivesse o direito do
pleno exercício da execução orçamentária e financeira de uma
universidade, que é puro establishment. É uma subversão
pela ordem", afirma Arantes, o
mais próximo dos alunos.
"O famoso Estado democrático de Direito sendo violado
nas suas regras elementares
-que é o funcionamento de
uma autarquia- provocou um
ato considerado de subversão
revolucionária para colocar as
coisas no seu lugar, que é um
lugar conservador", completa.
Para Arantes, as demais reivindicações vão na mesma linha. A pauta inclui, entre outras, medidas de inclusão social
("assistencialismo") e a Estatuinte ("dentro da normalidade
de uma vida institucional").
"A pauta de reivindicações, a
própria reitora o disse, é perfeitamente realizável. Um dos
pontos é o serviço de ônibus da
USP. Ora, o que isso quer dizer
para uma universidade como a
de São Paulo? Não vejo como
isso possa estar dizendo que se
trata de nova forma de política", diz Oliveira.
Contágio
Os três concordam quanto ao
caráter algo conservador das
reivindicações dos estudantes.
Ao mesmo tempo, enxergam
uma certa novidade no movimento: além da capacidade de
quebrar o silêncio, apontam a
forma de manifestação.
"No conteúdo, não há nenhuma alternativa política substantiva. Na forma, é uma ação
política inédita, que tende a se
multiplicar, como fórmula, independentemente do conteúdo. O contágio então vem da
tecnologia política, do modo de
fazer. O conteúdo está na forma", diz Arantes.
Se a novidade está na forma,
é porque os tempos são outros.
Os modos antigos de fazer política, insistem eles, não têm
mais alcance nem sentido.
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