São Paulo, quinta-feira, 24 de junho de 2010

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Quem antes fugia da seca agora se converte em retirante da chuva

FÁBIO GUIBU
ENVIADO ESPECIAL A UNIÃO DOS PALMARES (AL)

Há 44 anos, José Siqueira Campos, 56, fugiu com a família da seca que assolava a zona rural de Pesqueira, no interior de Pernambuco. Foi buscar refúgio em Recife.
Hoje vivendo em União dos Palmares, em Alagoas, Campos quer fazer o caminho inverso. Ele faz parte da legião dos retirantes da chuva, nordestinos que tentam fugir das cheias que já provocaram a morte de 45 pessoas e obrigaram 154 mil a deixar suas casas na região.
"Aqui eu não fico mais", diz, sentado em frente ao que restou da sua casa após a cheia do rio Mundaú, no fim de semana. "Já corri da seca, agora quero fugir da água."
Campos, que trabalhava como vendedor ambulante, mudou-se seis anos atrás para União dos Palmares, cidade onde nove pessoas morreram com as chuvas. Ao lado da mulher, Luiza, e a filha, Jaqueline, buscava "viver uma vida de paz".
A família morava em uma pequena casa de alvenaria, com dois quartos, a cerca de 50 metros da margem da rio.
Segundo ele, o Mundaú já havia transbordado outras vezes, mas nunca havia provocado tanta destruição.
"De repente, a água subiu e saiu derrubando tudo. Só deu tempo de a gente fugir pelos fundos e salvar a televisão e o aparelho de som."
"Fiquei sem nada", afirma ele. "Nem água para beber tem, está igual ao sertão", compara. "Já vivi na seca e na chuva, e digo que prefiro a seca. Pelo menos a gente não perde a casa e sempre dá um jeito para comer e beber."
O ambulante passa dia e noite sentado em frente aos escombros para proteger o que restou dos saqueadores.
Na BR-104, que dá acesso a vários municípios destruídos pelos temporais, retirantes da chuva em debandada se misturam aos desabrigados que caminham no acostamento em busca de água para lavar roupas e panelas.
Em uma carroça, o cortador de cana-de-açúcar Robson Lourenço da Silva, 38, deixava ontem a cidade de Murici (a 60 km de Maceió), carregando a geladeira que conseguiu resgatar.
"Vou embora, aqui não tem mais como ficar. Vou para a casa de parentes, na fazenda, e ficar por lá, enquanto Deus dá um jeito de conseguir tudo de novo. O importante é que a família tá bem."


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