São Paulo, segunda-feira, 24 de julho de 2000


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VIOLÊNCIA

Primeiros indicativos são de que o ciclo do tráfico e falta de opções na periferia são os agentes da "doença"

OMS pesquisa epidemia de crimes em SP

SORAYA AGÉGE
DA REPORTAGEM LOCAL

A OMS (Organização Mundial de Saúde) promove em São Paulo, em conjunto com a USP (Universidade de São Paulo), uma pesquisa sobre a relação entre o uso, o tráfico de drogas e os assassinatos de jovens na periferia.
Neste mês, o projeto da OMS será lançado em 11 países, além do Brasil. A idéia é verificar as causas de homicídios e propor as "medicações" de acordo com cada realidade. O resultado final só deve ser fechado em cinco anos.
No caso do Brasil, urbanistas e sociólogos da USP começaram o trabalho há dois meses e constataram que o ciclo do tráfico e a falta de opções de cultura e lazer na periferia são os agentes da violência.
A "epidemia de homicídios", que vitimou 5.705 paulistanos só em 1999, contra 1.368 mortos por Aids, tem uma distribuição desigual na cidade: em Moema (sudoeste), por exemplo, a média de assassinatos é de quatro por 100 mil moradores, pouco maior que a de Paris (três por 100 mil).
Enquanto isso, no Jardim Angela, chega a 116,23 por 100 mil habitantes, ou a 90,9 no Grajaú (ambos na zona sul), taxas maiores que a da Colômbia (78,44 por 100 mil habitantes).
Entre os jovens, a incidência mantém a desigualdade de acordo com o lugar de moradia e é ainda mais crescente: a taxa de vítimas entre 10 e 14 anos já subiu 36% entre 1999 e 2000, segundo dados do Pro-Aim (Programa de Aprimoramento das Informações de Mortalidade).
Segundo a polícia, de cada três flagrantes feitos em São Paulo, um envolve menores de 18 anos.
O projeto da OMS só será totalmente concluído dentro de cinco anos, segundo a coordenadora do Departamento de Saúde Mental e Dependência Química da instituição, Maristela Monteiro.
Nessa primeira fase, os pesquisadores estão usando diversas bases de dados para mapear a violência e compará-la com a estrutura urbana de cada região.
Os jovens das áreas com pior estrutura são as principais vítimas de homicídios: eles usam drogas e assumem funções no esquema de distribuição, mas geralmente não conseguem pagar as contas com os traficantes e acabam mortos.
Já os moradores de bairros com melhor estrutura urbana consomem mais drogas que os da periferia, mas não são vítimas de assassinatos (veja quadro).
Dois exemplos desse primeiro levantamento da USP são Pinheiros e a Cohab 2, em Itaquera. Na primeira região, onde o índice máximo de congestionamento habitacional é de 2,3 habitantes por cômodo, foram registrados 44 flagrantes de uso de drogas, 19 de tráfico e 31 mortes em 1998.
Em Itaquera, onde o índice de moradia chega a 4,8 habitantes por cômodo, foram 27 flagrantes de tráfico, 26 de uso e 48 assassinatos no mesmo período.
"Embora o uso de drogas seja disseminado nas zonas de maior renda, é o jovem da periferia quem morre. Talvez, uma área de lazer resolvesse", avalia a coordenadora do Infurb (Núcleo de Pesquisas em Informações Urbanas) da FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo), Sueli Ramos Schiffer.
Até agosto, o Infurb e o NEV fecham uma análise geral da violência e das suas condicionantes urbanas na cidade. O levantamento prévio será encaminhado à OMS, que dará as diretrizes gerais para a pesquisa de campo.

Antídotos
Projetos de entidades em áreas onde a epidemia parece descontrolada em São Paulo, como Heliópolis, já indicam que a oferta de opções culturais podem servir de antídoto para os jovens.
"Aqui não havia o que fazer. De um lado era a fome e, do outro, o tráfico. Eu escolhi as drogas". A afirmação é de uma garota de 16 anos, moradora de Heliópolis, que se identifica como Tinha.
Ela conta que teve sete amigos mortos por traficantes que não receberam dívidas de drogas. Wiliam, codinome de outro adolescente de 16 anos, também tem uma história cruel.
"Comecei a usar cola porque sentia fome, aí tive de começar a vender, e foi difícil sair dessa história", conta Wiliam.
Tinha e Wiliam deixaram o mundo do tráfico há um ano, quando foram integrados a um grupo de adolescentes que é o embrião de um Observatório de Direitos Humanos, programa lançado mês passado na cidade pelo NEV (Núcleo de Estudos da Violência) da USP.


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