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São Paulo, quinta-feira, 24 de julho de 2003

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PASQUALE CIPRO NETO

Ganancioso, malicioso, pretensioso...

A coluna da semana passada terminou com uma referência à palavra "sanção", que, como vimos, pode significar "aprovação que o chefe de Estado dá a uma lei" ou "punição a que está sujeito quem transgride a lei ou não cumpre um contrato".
Pois bem, palavras como "sanção", "transgressão", "compreensão" etc. muitas vezes nos deixam em dúvida quanto à grafia, visto que são três as terminações existentes ("-ção", "-são" e "-ssão").
Não pretendo arrolar receitas (algumas delas pouco práticas) para que se evite o erro na grafia dessas terminações. Em geral, a leitura frequente (e atenta) nos familiariza com os casos mais constantes. De fato, quem lê assiduamente mecaniza a grafia de palavras como "exceção", "transmissão", "suspensão" etc.
Parece mais interessante aproveitar o mote para comentar algumas "racionalidades" e "irracionalidades" da nossa grafia.
Comecemos pelas racionalidades. Como se chama quem nos edifícios comerciais opera o elevador? Chama-se "elevadorista", não? Não; chama-se "ascensorista". Pouca gente no Brasil sabe o que é um ascensor, mas todos sabemos o que faz um ascensorista.
Ué, não íamos falar das racionalidades? Pois a racionalidade está na grafia: "ascender", "ascensor", "ascensorista", "ascensional" e "ascensão" pertencem à mesma família. Se grafamos "ascensorista" com "s" depois do "n", grafamos a família toda assim, a começar por "ascensão", que muitas vezes se vê grafada com um indevido "ç" depois do "n".
Por falar em família, convém citar a dos substantivos relativos aos verbos derivados de "ter": "obtenção", "contenção", "manutenção", "detenção", "retenção", "abstenção". Como se vê, todos terminam em "-ção" (com "ç").
Outra "racionalidade" que se pode citar é a da grafia de palavras como "ganancioso", "tendencioso", "malicioso", "delicioso", "minucioso", "silencioso": todas terminam em "-cioso", com "c" antes do "i". Pois é aí que mora o perigo. A "racionalidade" está no fato de que todas elas têm esse "c" antes do "i" por derivarem de palavras em que já há o "c" ("ganância", "tendência", "malícia", "delícia", "minúcia" e "silêncio", respectivamente).
A falsa idéia de que a terminação "-cioso" seja única pode nos fazer errar a grafia de "ansioso" e "(des)pretensioso", por exemplo, que se grafam com "s", já que, respectivamente, derivam de "ânsia" e "pretensão", que se escrevem com "s". Convém lembrar que a terminação latina "-oso" (grafada com "s") indica "abundância", "posse plena".
Bem, para compensar, vamos a uma complicada "irracionalidade". Qual é o substantivo que significa "ato de estender(-se)"? Pois é, "estender" se grafa com "s", mas o ato de estender é "extensão", com "x". Não é à toa que, no verbete "estender", o dicionário "Houaiss" faz esta observação: "A grafia oficial desta palavra exige o s, em confronto com o étimo latino, que é com x, o qual, no entanto, foi mantido em extensão, extensivo, extenso etc.".
É preciso cuidado com "estendido". Trata-se do particípio de "estender", verbo cujas flexões (todas) são grafadas com "s". É isso.


Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras E-mail - inculta@uol.com.br


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