São Paulo, quinta-feira, 24 de julho de 2008

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Dicionário decifra palavras indígenas do dia-a-dia

Paçoca, tapera, Morumbi e outras palavras de origem indígena estão na obra

"Não é um trabalho acadêmico. É o livro de um curioso", afirma o autor, Clovis Chiaradia, médico e etimologista amador


WILLIAN VIEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL

Essa é uma obra que vai "das aldeias para as prateleiras", diz o autor, Clovis Chiaradia, 73, também médico e anestesista -que já foi prefeito e vice de Ourinhos (SP) pelo PMDB e aproveitou seus 30 anos de etimologista amador para escrever o livro de sua vida: o dicionário indígena-português, com 30 mil verbetes, que lançará no mês que vem.
Seu "Dicionário de Palavras Brasileiras de Origem Indígena", apressa-se em frisar, "não é um trabalho acadêmico", pois desses já há muitos nas bibliotecas. "É o livro de um curioso", que desde os dez anos se maravilhava com a pronúncia da cidade natal, Botucatu (SP), "que quer dizer "bons ares'".
Botucatu foi a primeira palavra anotada em seus cadernos, que ganharam caráter profissional há três décadas, quando passou a visitar bibliotecas (como a Nacional do Rio e a Mário de Andrade em SP); a pesquisar em revistas e livros de viajantes; e a dissecar dicionários à procura de menções etimológicas às famílias lingüísticas tupi-guarani, aruaque, caribe e jê.
A cada viagem que fazia, suas anotações foram engrossando -hoje são pilhas espalhadas pela casa. "Pegue "tapera", por exemplo. Do norte ao sul do Brasil, tem várias cidades com esse nome", diz Chiaradia. A palavra significa aldeia velha.
"O meu [dicionário] é popular, no estilo de Teodoro Sampaio, só que mais amplo", diz, em referência ao livro "O Tupi na Geografia Nacional", obra consagrada do começo do século passado.
Por que o público deveria comprar seu livro é uma resposta que Chiaradia tem na ponta da língua: "É por causa da brasilidade". Afinal, são muitas as palavras do dia-a-dia do brasileiro com origem nas línguas nativas: de paçoca e caipira a Guarujá e Morumbi.
Um dos pontos levantados no prefácio do livro conta que o tupi chegou a ser a língua corrente entre os brasileiros no século 17, quando a catequese dos jesuítas e a comunicação do dia-a-dia eram feitas na língua "brasílica". Só no século 18 é que as proibições do marquês de Pombal garantiram o português como língua comum.
A "proibição", para Chiaradia, foi financeira -pronto há oito anos, o dicionário só saiu da gaveta porque um amigo na editora Limiar conseguiu o patrocínio da Petrobras.

Biografia extensa
"É uma boa forma de divulgar o que está embolado na academia", diz a professora de toponímia indígena da USP, Maria Vicentina Dick, ao analisar trechos do dicionário.
"Claro que o ideal seria fazer uma separação por tronco lingüístico e região do país", pondera. Na obra, palavras de origens diversas estão agrupadas por ordem alfabética. "Mas é válido por divulgar vestígios das línguas faladas."
Chiaradia não pensa em ficar famoso como autor de livro -fama já tem, ao menos em Ourinhos, onde atende há mais de 40 anos como médico (hoje anestesista da Santa Casa) e como político.
E olha que ele quase foi padre, cursou até o seminário, até começar um curso de geologia, que não terminou por falta de dinheiro. Formado em medicina, desde então vive em Ourinhos. Mas não quer voltar à política e, agora que desovou as anotações de uma vida, pretende viver de medicina.


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