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São Paulo, domingo, 24 de agosto de 2003

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DANUZA LEÃO

Tudo por amor

É inacreditável lembrar dos absurdos que já se fez por amor.
As mulheres, geralmente, são guiadas por uma bússola, que é o homem por quem estão apaixonadas. A partir daí, mudam a vida, os gostos, os hobbies, o paladar e adotam o estilo de vida deles, com o maior prazer.
Dá para acreditar que você, um dia, debaixo de um sol escaldante, em Roma, passou uma semana inteira visitando o fórum romano, ele com um livro na mão examinando cada caquinho de pedra e explicando de que ano -antes de Cristo- eram, do tempo de qual imperador, de como ele foi deposto, das guerras, e você fingindo que escutava, pensando na sandália que havia visto numa loja na véspera e que não tinha comprado porque achou cara, será que ainda ia encontrar? Ah, o amor.
O seguinte gostava de futebol, e até de time ela mudou -com todo o fervor e sinceridade do mundo. As tardes de domingo eram passadas diante da televisão, assistindo aos jogos, e, à noite, a todas as mesas-redondas, ela interessadíssima, sempre em nome do amor.
Houve um outro que fazia a linha cultura, e ela, que havia passado a maior parte da vida cuidando do corpo e não do cérebro, passou a ler. Começou pelos clássicos, indicados por ele, e de alguns até gostou. Mas ele sabia tanto de tudo, mas tanto, que a maior parte das vezes falava de coisas de que ela nunca ouvira falar (e pelas quais não estava nem um pouco interessada). Mas prestava a maior atenção e fazia perguntas, às quais ele respondia com muita paciência. Era uma vocação de professor não realizada, mas, como ela não estava mesmo atenta, enquanto ele falava ela pensava em outra coisa. E nunca lhe ocorreu que, quando veio a proposta de morarem junto, ela só pensava em ginástica e em moda -e foi por essa mulher que ele se apaixonou.
Houve outros que ela preferiria nem lembrar, mas lembra: do que resolveu entrar na política e se candidatar a deputado, por exemplo. Aí, foi dureza.
Teve que lidar com cabos eleitorais, se relacionar com mulheres de outros candidatos, viajar para o interior durante a campanha, ser gentil e simpática com pessoas que, francamente, não era possível. Sempre em nome do amor.
Ela sempre ia fundo em tudo o que fazia e dava a maior força a tudo que eles queriam. Não que não tivesse personalidade, mas era mais forte do que ela: em primeiro lugar eles -cada um de uma vez, é claro-, e se para ter uma relação bacana, como nos filmes, era preciso se adaptar, abria mão de tudo, e o mais inacreditável: sem o menor sacrifício.
Assim foi indo, mudando de personalidade a cada homem que passava, até que um dia, sem namorado, se deu conta de que não sabia quem era, do que gostava, e o pior: de que tinha aberto mão da coisa mais preciosa que tinha -sua vida, seus gostos, suas preferências- em nome do tal do amor. E detalhe: nenhum deu muito certo.
Fez uma profunda reflexão, resolveu dar um tempo e se redescobrir. Foi um caminho difícil, mas foi indo, e quanto mais coisas descobria, mais insegura ficava: será que algum homem poderia gostar dela do jeito que ela é de verdade? Resolveu arriscar, desse no que desse; quem sabe sendo ela mesma seria mais feliz do que com qualquer homem?

E-mail - danuza.leao@uol.com.br

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