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ARQUITETURA DA EXCLUSÃO
Obstáculo em passagem subterrânea pode levar a "apartheid social", afirmam especialistas
Serra recebe críticas por rampa antimendigo
AFRA BALAZINA
DA REPORTAGEM LOCAL
A decisão do prefeito de São
Paulo, José Serra (PSDB), de colocar rampas antimendigo na passagem subterrânea que liga a avenida Paulista à Doutor Arnaldo
foi criticada por urbanistas, advogados, integrantes da Igreja Católica e sociólogos. A medida, segundo alguns deles, pode levar a
um "apartheid social" na cidade.
Os obstáculos estão sendo colocados em um local onde vive um
grupo de cerca de 30 moradores
de rua, entre os quais crianças e
um bebê de dez meses.
Serra, com a justificativa de reduzir os assaltos na área, iniciou a
construção dessas rampas, com
piso chapiscado (áspero), que dificultam a tentativa de dormir no
local. A obra já começou em um
dos lados da passagem. Os sem-teto estão concentrados no outro.
Rubens Adorno, professor da
Faculdade de Saúde Pública da
USP, disse que a criação das rampas é uma ação "tapa-buraco". "A
ação mostra que essa gestão tem
caráter repressivo e de remoção",
afirma ele, que pesquisa a questão
da saúde pública e exclusão social.
Na opinião do professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP João Whitaker, essa ação da prefeitura se insere em
uma política mais ampla de "limpeza social", que reflete uma maneira de ver a cidade e a produção
do espaço urbano.
"Serra, desde que assumiu, retomou uma política tradicional das
elites, que é a da expulsão da população pobre das áreas mais ricas, do centro expandido. É uma
idéia absolutamente atrasada e
conservadora, que sequer percebe
que leva a um apartheid social cujas conseqüências são imprevisíveis e trágicas", diz.
Segundo ele, a prefeitura chamou a primeira ação de retirada
de pessoas da área central de
"Operação Limpa", o que seria
sintomático da visão que o governo têm do problema.
"Para eles [integrantes da prefeitura], não é a sociedade que,
por sua injustiça, produz a desigualdade e a expulsão. A culpa é
dos pobres, que não deviam estar
lá", afirma o professor.
O desembargador e presidente
da Comissão Justiça e Paz de São
Paulo, Antonio Carlos Malheiros,
acredita que a prefeitura esteja
mais uma vez indo pelo "caminho
errado". "Acho a atitude inadmissível. Quem está na rua não pode
ser tratado como um papelão."
Malheiros não concorda com a
justificativa de impedir a criminalidade. "Isso é absurdo. A retirada
dos moradores só seria aceitável
se fosse para trazer condições melhores para essa população", diz.
A socióloga Camila Giorgetti,
que aborda em sua tese de doutorado apresentada na PUC-SP como o paulistano trata os moradores de rua, afirma que a violência é
sempre a justificativa utilizada para expulsá-los dos locais públicos.
"Alguns prefeitos combatem a
violência agindo de modo ainda
mais violento, retirando da população de rua o único direito que
lhe resta, de perambular pela cidade", afirma a socióloga.
Ela acredita que são infundados
os motivos que levam os políticos
a adotar as atitudes higienistas de
expulsão, como a que ocorreu na
avenida Paulista.
"Alguém já ouviu falar em assalto a banco realizado por uma quadrilha de moradores de rua? Há 12
anos estudo o tema na cidade e a
informação que tenho é que a violência existe, mas ocorre sobretudo entre os próprios moradores
de rua", afirma ela.
Para o presidente da Comissão
de Direitos Humanos da OAB
(Ordem dos Advogados do Brasil), não é adequado tratar os sem-teto como uma bola de futebol,
chutada para lá e para cá.
"O problema deve ser tratado
em toda a sua amplitude. A paisagem está ruim, as pessoas reclamam, mas quais as conseqüências
das ações tomadas? Deve-se oferecer uma oportunidade de reinserção social", afirma.
O bispo d. Pedro Luís Stringuini, coordenador das Pastorais Sociais da Igreja Católica, diz que há
um aumento diário da população
de moradores de rua em São Paulo e que a causa para esse fenômeno é a ausência de políticas públicas. "A prefeitura deveria ter um
olhar mais social."
O prefeito disse ontem que é
"uma bobagem completa" afirmar que a rampa se trata de uma
política higienista.
Colaboraram VICTOR RAMOS e DANIELA TÓFOLI, da Reportagem Local
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