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DANUZA LEÃO
As descobertas
Ela decidiu pela liberdade.
Chega de ficar casada, com
um marido chegando em casa todos os dias à mesma hora, dizendo as mesmas coisas, contando os
aborrecimentos no trabalho, sempre os mesmos. É bem verdade
que ele sempre foi assim, e que no
começo ela achava graça em tudo, mas passou. Passou porque as
coisas passam.
Segundo uma amiga, a decisão
de se separar tem que ser tomada
antes dos 40, enquanto está com
tudo em cima, e pronta -prontinha- para começar tudo de novo. Ah, acordar de manhã, mandar os filhos para o colégio e ficar
em casa só, absolutamente só, podendo fazer do seu dia -e da vida- exatamente o que quer,
existe felicidade maior? Não, não
e não.
Sem marido, a primeira providência que toma é dispensar a
empregada e contratar uma diarista três vezes por semana. Nada
de homem reclamando que a comida está sem sal, nem supermercado, nem feira; agora são só congelados, cada criança escolhe o
seu, pela etiqueta, bota no microondas, e fim de papo. Não gostou? Para isso é que existem as
pizzarias.
Ela se prepara, gloriosamente,
para reviver seus tempos de adolescente, agora uma adolescência
madura e consciente, dando o devido valor à coisa mais importante da vida: a liberdade.
Toma as providências de costume: começa a malhar numa academia, a passar fome para ficar
um fiapo e faz uma escova progressiva (nada como ter o cabelo
liso como um macarrão, igual ao
das manequins que vê na revista);
só não percebe que poderia perfeitamente ter feito todas essas coisas casada, mas mulher é assim
mesmo, pensa que não faz as coisas por causa do marido.
E começam as pequenas aventuras -afinal, foi para isso que se
separou. O primeiro dura uma semana, o segundo, três dias, e o
terceiro, depois de uma bela noite
num motel, desaparece sem nem
um telefonema. Onde estão os homens com que tanto sonhou, que
mandariam flores no dia seguinte
e com quem passaria fins de semana gloriosos em praias do outro mundo? Será que esses homens existem mesmo ou é tudo
coisa de revista feminina, que fica
botando caraminholas em cabeça
de mulher que não tem o que fazer? Talvez o problema seja este:
não ter o que fazer. Mesmo sem
precisar, ela precisa inventar uma
profissão.
Bom gosto sempre teve, e uma
queda por moda e decoração. Fala com o pai, que promete dar
uma força. Força financeira, é
claro.
Ela se empolga; se atira de cabeça nos classificados, encontra
uma loja para alugar num local
divino, faz o contrato, e depois de
noites em claro, descobre que sua
vocação é mesmo a moda, como
não tinha pensado nisso antes?
Começa a inventar uma decoração moderníssima, procura uma
antiga costureira que tem um
exército de outras costureiras
amigas e começa a criar a coleção. A inauguração é um sucesso
-afinal, ela conhece todo mundo-, e se o resultado financeiro
dos três primeiros meses não é estrondoso, é que no começo tudo é
mesmo complicado. Nem Dior teve sucesso no início da carreira.
O problema mesmo foi com a
burocracia. Tudo tinha que ter
nota fiscal: os tecidos, os botões, os
zíperes, a linha, o paetê, e ainda
tinha o alvará (abriu no peito), a
carteira de trabalho das funcionárias e uns 487 impostos. Pensava -doce ilusão- que era só
criar, vender, botar o lucro no
bolso e pronto. Foi se enrolando,
se enrolando, e descobriu que não
tinha vocação nem para ser casada nem para ser solteira, nem para passar o dia sem ter o que fazer
nem para trabalhar, que era totalmente sem rumo e que, decididamente, não sabia o que queria
da vida.
Coisa, aliás, banal, e bem mais
comum do que se imagina.
E-mail - danuza.leao@uol.com.br
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