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Para intelectuais, referendo errou alvo
De acordo com eles, há questões muito mais importantes a serem discutidas no país no que diz respeito à questão da segurança
MARCOS FLAMÍNIO PERES
EDITOR DO MAIS!
O referendo sobre a proibição
de vendas de armas de fogo foi
um instrumento legítimo da democracia, mas errou o alvo, conforme apontam cinco intelectuais
ouvidos pela Folha.
Para a antropóloga Alba Zaluar,
professora do Instituto de Medicina Social da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e
referência no estudo da violência
urbana no país, o referendo foi
um "equívoco".
Para ela, que votou no "sim", há
questões muito mais importantes
a serem discutidas no país no que
diz respeito à segurança, como a
corrupção policial e o controle
dos arsenais das Forças Armadas
e das polícias. Ela avalia a vitória
do "não" como um voto de protesto, um claro recado ao governo
de que a população está insatisfeita com a política de segurança".
Autora de livros como "Integração Perversa - Pobreza e Tráfico
de Drogas" (ed. FGV), Zaluar cita
dados de várias pesquisas para
afirmar que o "Brasil não tem
uma população armada": menos
de 5% dos domicílios brasileiros
possuem armas de fogo, enquanto nos Estados Unidos esse índice
atinge 34%.
Em cidades consideradas violentas, como São Paulo e Rio de
Janeiro, esses índices são de 2,5%
e 4,5%, respectivamente.
Portanto, não é daí que provêm
as armas utilizadas pelos criminosos, conclui, mas do exterior e de
arsenais da polícia e das Força Armadas. Nesse sentido, o referendo
foi "um erro de enfoque", diz.
É essa também a opinião de Roberto Romano, professor titular
de ética e filosofia política na Universidade Estadual de Campinas
(Unicamp), para quem "as armas
continuarão a penetrar no território brasileiro por meio do contrabando", além de poderem ser adquiridas "por meio de furto de integrantes das polícias e das forças
armadas". O problema da segurança no Brasil "sofre com a incompetência governamental",
diagnostica Romano.
Para José de Souza Martins,
professor de sociologia da USP, o
"governo propôs uma questão
grande e fez uma pergunta pequena, o que confundiu os votantes".
Embora considere o referendo
um instrumento legítimo, ele foi
"mal utilizado".
Eleitorado desinformado
É legítimo "porque representa
um alargamento das alternativas
democráticas na expressão do
ponto de vista do povo". Foi mal
utilizado "porque o legislador não
levou em conta a complexidade
do problema da violência e circunscreveu a pergunta ao comércio legal de armas, que é só uma
parte da questão". Mas Martins,
autor de "Exclusão Social e a Nova Desigualdade" (ed. Paulus),
pondera que o referendo contribuiu "para alargar nossa restrita
concepção de democracia".
Menos entusiasta, o cientista
político Fábio Wanderley Reis,
professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG), vê a vitória do "não" como "resultado de um eleitorado
desinformado e pouco atento".
Para Reis, que votou no "sim",
não havia razão para levar o tema
a consulta popular.
É da mesma opinião Ronaldo
Vainfas, professor de história na
Universidade Federal Fluminense
(UFF), que considera "totalmente
descabido" submeter o comércio
de armas e munições a voto popular. Trata-se de uma "ilusão de cidadania", afirma o historiador,
que é especialista em Brasil Colônia e no estudo nas formas de
coerção utilizadas pela Igreja e pelo Estado.
Para ele, "o "sim" ou o "não" pouco importam: a violência continuará, as mortes também continuarão, com armas de fogo comercializadas sobretudo no contrabando, pois o percentual de armas legais vendidas no país é mínimo. Todos sabiam disso, mesmo os que defendiam o sim na base do "paz e amor'".
A banalização da campanha
também é alvo de duras críticas.
Para Reis, o grupo que apoiava
o "não" contrapôs de maneira
"muito maniqueísta o bandido ao
indivíduo desarmado", confundindo o eleitor.
Já para Martins, o referendo foi
alvo de "uma concepção mercantil de disputa" que levou a população a ser "enganada, como se estivesse decidindo entre marcas de
cigarro ou marcas de salsicha".
Ele culpa os tribunais eleitorais
por terem tratado o referendo "de
modo tão primário".
Romano, autor de "O Caldeirão
de Medéia" (ed. Perspectiva), entre outros, vai na mesma direção e
ataca o pouco respeito à "inteligência da cidadania", que é manipulada "com propaganda ou carismas pré-fabricados".
Ele vê a vitória do "não" como
um "alerta", pois "o eleitorado
amadureceu nos últimos 20 anos
e percebeu as manobras dos seus
representantes oficiais". Para ele,
"muitos políticos [juízes, advogados, promotores] brasileiros insistem em tratar a cidadania como fossem seus tutores, considerando-se os únicos adultos num
país de crianças".
Pois, arremata, "os representantes sabem que, em duas palavras,
nenhuma verdade concreta é obtida em questões complexas. As
duas respostas exigem árduas razões jurídicas e técnicas".
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