São Paulo, segunda-feira, 24 de outubro de 2005

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REFERENDO/REPERCUSSÃO

Para líderes da campanha, crise política interferiu no resultado da votação; frente vai defender restrição à exportação de armas

"Sim" vê voto de protesto contra governo

DA REPORTAGEM LOCAL

Os líderes da campanha pelo "sim" no referendo apontaram ontem a crise política e as acusações contra a gestão Lula como um dos fatores que interferiram no resultado da votação.
O governo era um dos apoiadores da proibição da venda de armas e, na avaliação deles, a frente do "não" usou isso para tentar fixar a idéia de que a administração petista queria tirar os focos do escândalo do "mensalão" e da falta de investimentos em segurança.
"Quem votou "sim" votou por uma ojeriza às armas. O voto do "não" acabou sendo um voto de capitalização do desencanto, do protesto, da falta de confiança no governo, nas instituições, na polícia, na segurança, no que está aí", disse Rubem Cesar Fernandes, coordenador da ONG Viva Rio.
"O índice de reprovação do Lula e de aprovação do "não" são muito semelhantes. O referendo, se tivesse acontecido dois meses antes ou três meses depois, era outra coisa. O contexto político prejudicou muito e a campanha do "não" soube explorar isso com muita competência", afirmou Denis Mizne, do Instituto Sou da Paz.
Mizne ressalva que a opinião dele não significa uma rejeição ao apoio dado pelo governo petista. "Fiquei feliz com isso. Todas as grandes lideranças responsáveis do Brasil nos apoiaram", disse.
"O grande adversário do "sim" não foi o "não", mas o PT e o governo", afirmou à Folha Raul Jungmann (PPS-PE), deputado da frente favorável à proibição do comércio de armas e munições.
Jungmann disse temer a tendência de uma "maré conservadora" devido à vitória do "não".
O prefeito de São Paulo, José Serra (PSDB), disse ontem que "muita gente que vota "não" protesta contra as precárias condições de segurança no Brasil". Ele afirmou ter votado "sim".
Questionado se os votos no "não" sinalizavam insatisfação com a Presidência da República, Serra disse que era difícil afirmar isso com segurança. "Eu acho que não está claro isso", declarou.

Eleições de 2006
Os defensores do "sim" no referendo avaliam que a segurança pública vai pautar as eleições de 2006 e que a discussão do tema fez da consulta popular uma iniciativa útil -apesar de seus gastos.
"Mas quem obrigou a ter referendo foi a turma do "não", que impediu a aprovação no Congresso. Quem criou isso foram eles", afirmou Mizne, acrescentando ainda que a luta pela proibição do comércio de armas começou em 1997, com as ONGs, e depois ganhou espaço no governo tucano de Fernando Henrique Cardoso.
Eles também apontaram falhas na campanha de TV e tempo curto para discussões como razões que prejudicaram a frente do "sim". "É lamentável que tenha sido na correria, um tempo tão curto. A crise política abafou esse assunto. Formar uma opinião em 20 dias não é fácil", disse Fernandes.
"No meio da guerra, normalmente as pessoas tomam decisões irracionais", disse Mizne, citando a reeleição de Bush nos EUA como exemplo e citando que a votação do "não" teve a insegurança pública como cabo eleitoral.
Apesar de admitir os erros, a frente do "sim" não esperava a diferença de votos apontada nos primeiros resultados divulgados ontem -ou seja, as mudanças na campanha de TV não evitaram a evolução do voto no "não". Mesmo assim, diziam que os mais de 30 milhões de votos no "sim" já representavam algo de positivo.

Novas propostas
O representante do Sou da Paz disse que vai tentar reunir os representantes da frente do "sim" e propor ao Congresso Nacional um pacote pela diminuição do contrabando e responsabilização da indústria de armas pelas vendas fraudulentas.
"Quero saber se a bancada do "não" vai defender a indústria ou a população. Afinal, eles disseram na campanha que os problemas não estavam na venda legal, mas no contrabando", disse.
Uma das idéias, afirmou ele, é proibir a exportação de armas "para países que não têm controle, como Paraguai, Bolívia, Colômbia, Uruguai, Argentina". Assim, impediria que elas retornassem ao Brasil contrabandeadas.
Jungmann afirmou ser favorável a discutir a vinculação de recursos para investimentos em segurança, como já ocorre com os setores de saúde e educação.
A sugestão é avalizada pelo líder da frente parlamentar Brasil sem Armas, Renan Calheiros (PMDB-AL), presidente do Senado, que já fez proposta de emenda constitucional sobre esse tema.
Calheiros afirmou que "pesou na decisão" do referendo a "omissão voluntária do governo federal em relação aos investimentos na área de segurança pública".
Ele ainda fez duras críticas à condução da campanha do "sim" no rádio e televisão. "A campanha deles foi melhor focada e a nossa não reagiu na hora". Para Calheiros, os depoimentos de artistas, que marcaram os programas iniciais, "eram frios".
O governador Geraldo Alckmin (PSDB) também declarou seu voto no "sim", mas enfatizou que precisar haver combate ao contrabando de armas com mais energia nas fronteiras do país.
"O tráfico de armas tem que ser combatido independentemente do problema de comércio", disse.
"Voto "sim" não porque entenda que isso vá resolver os graves problemas de segurança que afligem nosso tempo, mas pode contribuir um pouco. Quem está preparado para andar armado é a polícia. É importante que as pessoas não andem armadas", afirmou.
(ALENCAR IZIDORO, VICTOR RAMOS, LUÍSA BRITO e MÁRVIO DOS ANJOS)


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