|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ARTIGO
A mensagem dos cidadãos
DEMÉTRIO MAGNOLI
COLUNISTA DA FOLHA
Eles armaram o circo, instalaram a confusão e fabricaram uma pergunta capciosa. Contrataram os fogos e a fanfarra.
Programaram a comemoração.
Mas o povo disse "não!".
No referendo de ontem, o povo
derrotou o governo, a maioria absoluta da elite política, a organização hegemônica de mídia e as
ONGs milionárias.
Agora, os santarrões têm de
substituir a festa por uma narrativa política e já começam a manufaturar uma nova mentira: inspirados num Pelé de 30 anos atrás,
dizem que o povo não sabe votar.
Que o povo é "conservador" e vota contra seus próprios interesses.
E que eles, os "esclarecidos" e
"progressistas" isto é, Lula, Márcio Thomaz Bastos, Chico Alencar, Sarney, ACM Neto, Raul
Jungmann, Marco Maciel e Renan Calheiros continuarão a lutar
"pela paz", explicando ao povinho burro que a culpa pela criminalidade não é do Estado mas dos
cidadãos ávidos por armas e sempre prontos a atirar uns nos outros.
Eles destilaram uma santimônia
pegajosa, abraçaram lagoas e cristos, mas não conseguiram falar
em nome do povo. Agora, precisam seqüestrar a mensagem do
povo e torcer seu significado. Indiferentes ao ridículo, chegam a
sugerir que os cidadãos votaram
contra o "mensalão", não contra a
proibição, como se a quadrilha
dos corruptores já não estivesse
exposta dois meses atrás, quando
o "sim" tinha dois terços das intenções de voto.
O povo não é burro: decifrou a
pergunta, desarmou a armadilha
e enviou uma série de mensagens
claras e nítidas.
1 - A esmagadora maioria dos
brasileiros não tem armas. Mesmo assim, os eleitores disseram
que o Estado não pode tomar-lhes
um direito natural, que é o direito
de defender a sua casa e a sua vida;
2 - Os eleitores disseram que o
Estado não pode dividir os cidadãos em duas classes jurídicas,
permitindo a proliferação de empresas de segurança privada enquanto proíbe a autodefesa armada dos homens de poucas posses;
3 - Os eleitores votaram contra o
governo, mas com pertinência.
Eles exigiram o fim da empulhação e do papo furado. Disseram
que o culpado pela liberdade do
crime é o governo, que não cumpriu a promessa de elaborar um
plano nacional de segurança pública e não reformou, unificou e
limpou as polícias.
Que ninguém se engane. Ficou
registrado na memória coletiva
que, em dezembro passado, os
ministros do Trabalho, Ricardo
Berzoini, e da Cultura, Gilberto
Gil, negociaram com os traficantes do Complexo da Maré as condições da visita à favela da Vila
São João, onde lançaram um programa de qualificação profissional. Por imposição do tráfico, as
autoridades subiram o morro
sem segurança armada, protegidos pela milícia dos bandidos.
Os cidadãos disseram "não!"
exatamente a isso. Os brasileiros
não correram atrás dos brucutus
armados que têm saudade da ditadura. Simplesmente, estão fartos das autoridades que "são da
paz". Querem guerra à corrupção
e à violência policial. Querem
guerra às prerrogativas dos traficantes, não uma hipócrita "guerra
às drogas" que criminaliza os
usuários e provoca chacinas de
crianças. Querem a restauração
da ordem pública e dos direitos
das pessoas. Os candidatos a presidente deveriam tomar nota.
Demétrio Magnoli é doutor em geografia humana pela Universidade de São
Paulo e colunista da Folha
Texto Anterior: Distrito mais seguro da capital opta pelo "não" Próximo Texto: Referendo/Violência: Morte a bala não está nem aí para o referendo Índice
|