São Paulo, segunda-feira, 24 de outubro de 2005

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REFERENDO/VIOLÊNCIA

Ciúmes, acerto de contas e reação armada: reportagem registra 11 mortes por arma de fogo no final de semana da Grande SP

Morte a bala não está nem aí para o referendo

DA REPORTAGEM LOCAL

Indiferente à discussão que envolveu o referendo e ao resultado dele, a violência seguiu no final de semana plantando cadáveres pela Grande São Paulo, principalmente nas periferias. "Aqui, está tudo normal", disse à reportagem a delegada plantonista do 90º Distrito Policial, Maria Cristina Lopes, enquanto preparava o boletim de ocorrência do assassinato de Douglas Sterfeson, 28, dono de padaria na Vila Medeiros, zona leste da cidade.
Foi o normal derramamento de sangue e de lágrimas, o que a reportagem pôde apurar entre a noite de sexta-feira e às 20h de ontem. Telefonando para delegacias, postos do Instituto Médico Legal e para unidades da Polícia Militar, a Folha contabilizou 12 mortos por arma de fogo -as estatísticas da Secretaria da Segurança Pública registram a média de 12 assassinatos por dia na Grande São Paulo.
Abaixo, retratos de vidas apagadas pela violência cotidiana:

AVANI SACRAMENTO, 31
Um leve aperto de mão. Este foi o último sinal de Avani Oliveira do Sacramento, 31, para a irmã, Meire Sacramento.
Às 21h de sexta-feira, Meire ouviu três disparos vindos da casa de Avani. "Ouvi o barulho dos tiros, pulei o muro e fui ver o que tinha acontecido. Lá estava minha irmã jogada no chão, com sangue no rosto. Ainda deu tempo de ela apertar fraquinho a minha mão antes de apagar."
O assassino, diz Meire, foi o ex-namorado da irmã, morador no Capão Redondo, zona sul. "Ele mexia com drogas e usava documentos falsos", diz ela. O crime aconteceu depois de discussão feia entre os dois. Os três disparos foram à queima-roupa, na testa.
Ivani foi levada para o Hospital Municipal do Campo Limpo, mas não resistiu aos ferimentos e morreu de madrugada.

CÍCERO BARREIRO DA SILVA, 26,
E UNIARAM NASCIMENTO, 17
Sobre as circunstâncias das mortes de Cícero Barreiro da Silva, 26, e Uniaram Santos Nascimento, 17, é a polícia quem fala. Não há testemunhas e, quando os dois chegaram ao pronto-socorro do Hospital Municipal do Campo Limpo, na zona sul, só lhes restava um fio de vida. Eles morreram minutos depois, na madrugada de sábado.
Os policiais dizem que, por volta da 1h da manhã, faziam o patrulhamento do Campo Limpo, quando avistaram sete homens. Segundo os PMs, ao ordenar que se identificassem, os homens fugiram para dentro de uma favela no parque Santo Amaro, zona sul, atirando contra a polícia, que respondeu a bala.
Oficialmente, foi resistência seguida de morte. Nenhum policial foi ferido na ação.
A polícia apresentou um revólver Rossi calibre 38 com a numeração adulterada e um revólver Taurus calibre 38 com o número raspado. Diz que pertenciam aos jovens mortos.

WALDEMIR DE SOUSA, 49
Todo sábado tem show no Guarapirão Dance, o ponto de encontro dos jovens da zona sul, ao lado da represa Guarapiranga. No último sábado, alguns desses jovens, indo para o baile, cruzaram com a cena sangrenta, a 500 metros da casa de espetáculos: Waldemir Ferreira de Sousa, 49, assassinado com pelo menos quatro tiros dentro de uma picape Fiorino preta. A morte aconteceu às 15h40.
A mulher dele, Elisabete Beatriz Fernandes de Sousa, 47, chegou 20 minutos depois com um dos três filhos. O casal tinha um mercado e uma serralheria no Jardim Guanabara, também na zona sul. A filha caçula prepara-se para prestar o vestibular para jornalismo.
Um garoto que rumava para o Guarapirão disse ter ouvido os tiros e, logo depois, visto três motos em alta velocidade, os pilotos, sem capacetes, ainda com as armas nas mãos. "Eles estavam gargalhando", contou o menino.
Às 18h, quando o celular de Waldemir começou a tocar insistentemente dentro do carro (que a PM cercou com um cordão de isolamento), o filho explodiu: "Eu quero esse celular de volta. É moderno, com câmera fotográfica".

DOUGLAS STERFESON, 28
Às 20h30 de sábado, noite quente, a padaria do Guançan, de Douglas Sterfeson Neves, 28, estava lotada, muita cerveja, conversa jogada fora. As máquinas de caça-níquel estavam todas ocupadas. Foi quando um homem entrou armado no estabelecimento, foi a passos firmes até Douglas e, à queima-roupa, esvaziou o cartucho da pistola, ferindo o rapaz na cabeça, no braço, na barriga.
Em instantes, a padaria esvaziou, o corpo caiu, as portas de aço desceram. Os amigos mais próximos ficaram na calçada, chorando. Embora estivessem no local na hora do crime, diziam não ter visto nada. "Foi acerto de contas", um comentava com o outro. O assassino não roubou nada. Matou e foi embora.
Por baixo da porta de aço que escondeu o corpo dos olhares curiosos até a chegada da perícia técnica, um fio de sangue escorria para a calçada onde estavam os amigos. Formou uma poça vermelha.
Na frente, na tradicional pizzaria da Vila Sabrina, a Berlim, as mesas estavam todas ocupadas. O bom chope que lá se serve corria solto, como sempre.

SILAS SILVA FONSECA, 17
O celular toca no bolso do adolescente Silas Silva Fonseca, 17, minutos depois de ele morrer com um tiro nas costas e outro na perna, em Diadema, na Grande São Paulo.
O policial militar, depois de constatar que não havia mais chance de socorrê-lo, atende. Do outro lado da linha está o verdadeiro dono do aparelho, que acabara de ser roubado.
Para a polícia, o jovem assaltou o dono do celular e, não satisfeito, tentou roubar outra pessoa, que reagiu, matou o assaltante e fugiu, sem ser identificado.
O dono do celular é o ajudante Paulo Alexandre Kaufmann, 22. Ele contou aos PMs que, por volta das 23h30 de anteontem, estava com seu Corsa branco em uma praça do Jardim Nazaré, bairro de classe média de São Bernardo do Campo, quando dois rapazes em uma moto o abordaram e anunciaram o assalto.
O ladrão da garupa estava com uma mochila térmica de entregador de pizza e ameaçou Kaufmann, que entregou o carro e o telefone celular.
Os ladrões fugiram, mas o Corsa não andou muito. Alguns metros depois, parou por causa de um bloqueador acionado pela vítima. Segundo a PM, os ladrões pegaram de novo a moto e rumaram para Diadema, onde, por volta da 0h30 de ontem, o adolescente foi baleado.
O local é uma rua residencial. Fonseca caiu em frente a um sobrado. Ao lado dele, a polícia encontrou uma moto e uma mochila térmica de entregador de pizza. Também encontrou cápsulas de pistola ponto 40.

JOSÉ MESSIAS FERREIRA, 36
Foi no Cantinho do Céu, bairro da periferia sul de São Paulo, na região do violento Grajaú, que a polícia encontrou o corpo de José Messias dos Santos Ferreira, assassinado com cinco tiros no rosto.
O delegado Paulo Sérgio, do 101º DP, disse que a polícia ainda não tinha informações sobre o caso nem testemunhas. "É o famoso "ninguém sabe, ninguém viu'", disse.

REGINALDO FRANCISCO LOPES
Às 23h50 de sábado, Reginaldo Francisco Lopes foi ferido a tiros em Carapicuíba, na Grande São Paulo. Ele chegou a ser socorrido no pronto-socorro da cidade, mas não resistiu.

ANÔNIMO 1
Sem documentos, a polícia encontrou um homem branco, aparentando 25 anos, jogado no chão, uma bala na cabeça, na rua Lourenço Saporito, 66, no Campo Limpo, zona sul. Eram 5h30 de domingo. Os policiais militares ainda tentaram salvá-lo, levando-o ao Hospital Municipal de Taboão da Serra, mas o rapaz morreu logo depois.

ANÔNIMO 2
Na zona leste, rua Teodoro Lourencini, altura no número 283, a polícia encontrou um homem morto com quatro tiros. O crime aconteceu às 4h de sábado.

ANÔNIMO 3
O casal estava deitado no quarto do barraco, na viela Luís Lopes Coelho, favela de Paraisópolis (zona sul), quando um grupo de homens armados entrou. Sob a mira das armas, o homem foi levado para o quintal e morto. A Secretaria da Segurança Pública não divulgou o nome da vítima.


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