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REFERENDO/VIOLÊNCIA
Ciúmes, acerto de contas e reação armada: reportagem registra 11 mortes por arma de fogo no final de semana da Grande SP
Morte a bala não está nem aí para o referendo
DA REPORTAGEM LOCAL
Indiferente à discussão que envolveu o referendo e ao resultado dele, a violência seguiu no final de semana plantando cadáveres pela Grande São Paulo, principalmente nas periferias. "Aqui,
está tudo normal", disse à reportagem a delegada plantonista do
90º Distrito Policial, Maria Cristina Lopes, enquanto preparava o
boletim de ocorrência do assassinato de Douglas Sterfeson, 28,
dono de padaria na Vila Medeiros, zona leste da cidade.
Foi o normal derramamento de sangue e de lágrimas, o que a
reportagem pôde apurar entre a noite de sexta-feira e às 20h de
ontem. Telefonando para delegacias, postos do Instituto Médico
Legal e para unidades da Polícia Militar, a Folha contabilizou 12
mortos por arma de fogo -as estatísticas da Secretaria da Segurança Pública registram a média de 12 assassinatos por dia
na Grande São Paulo.
Abaixo, retratos de vidas apagadas pela violência cotidiana:
AVANI SACRAMENTO, 31
Um leve aperto de mão. Este foi o
último sinal de Avani Oliveira do
Sacramento, 31, para a irmã, Meire Sacramento.
Às 21h de sexta-feira, Meire ouviu três disparos vindos da casa de
Avani. "Ouvi o barulho dos tiros,
pulei o muro e fui ver o que tinha
acontecido. Lá estava minha irmã
jogada no chão, com sangue no
rosto. Ainda deu tempo de ela
apertar fraquinho a minha mão
antes de apagar."
O assassino, diz Meire, foi o ex-namorado da irmã, morador no
Capão Redondo, zona sul. "Ele
mexia com drogas e usava documentos falsos", diz ela. O crime
aconteceu depois de discussão
feia entre os dois. Os três disparos
foram à queima-roupa, na testa.
Ivani foi levada para o Hospital
Municipal do Campo Limpo, mas
não resistiu aos ferimentos e morreu de madrugada.
CÍCERO BARREIRO DA SILVA, 26,
E UNIARAM NASCIMENTO, 17
Sobre as circunstâncias das mortes de Cícero Barreiro da Silva, 26,
e Uniaram Santos Nascimento,
17, é a polícia quem fala. Não há
testemunhas e, quando os dois
chegaram ao pronto-socorro do
Hospital Municipal do Campo
Limpo, na zona sul, só lhes restava
um fio de vida. Eles morreram
minutos depois, na madrugada
de sábado.
Os policiais dizem que, por volta da 1h da manhã, faziam o patrulhamento do Campo Limpo,
quando avistaram sete homens.
Segundo os PMs, ao ordenar que
se identificassem, os homens fugiram para dentro de uma favela no
parque Santo Amaro, zona sul,
atirando contra a polícia, que respondeu a bala.
Oficialmente, foi resistência seguida de morte. Nenhum policial
foi ferido na ação.
A polícia apresentou um revólver Rossi calibre 38 com a numeração adulterada e um revólver
Taurus calibre 38 com o número
raspado. Diz que pertenciam aos
jovens mortos.
WALDEMIR DE SOUSA, 49
Todo sábado tem show no Guarapirão Dance, o ponto de encontro
dos jovens da zona sul, ao lado da
represa Guarapiranga. No último
sábado, alguns desses jovens, indo para o baile, cruzaram com a
cena sangrenta, a 500 metros da
casa de espetáculos: Waldemir
Ferreira de Sousa, 49, assassinado
com pelo menos quatro tiros dentro de uma picape Fiorino preta.
A morte aconteceu às 15h40.
A mulher dele, Elisabete Beatriz
Fernandes de Sousa, 47, chegou
20 minutos depois com um dos
três filhos. O casal tinha um
mercado e uma serralheria no
Jardim Guanabara, também na
zona sul. A filha caçula prepara-se
para prestar o vestibular para
jornalismo.
Um garoto que rumava para o
Guarapirão disse ter ouvido os tiros e, logo depois, visto três motos
em alta velocidade, os pilotos,
sem capacetes, ainda com as armas nas mãos. "Eles estavam gargalhando", contou o menino.
Às 18h, quando o celular de
Waldemir começou a tocar insistentemente dentro do carro (que
a PM cercou com um cordão de
isolamento), o filho explodiu: "Eu
quero esse celular de volta. É moderno, com câmera fotográfica".
DOUGLAS STERFESON, 28
Às 20h30 de sábado, noite quente,
a padaria do Guançan, de Douglas Sterfeson Neves, 28, estava lotada, muita cerveja, conversa jogada fora. As máquinas de caça-níquel estavam todas ocupadas.
Foi quando um homem entrou
armado no estabelecimento, foi a
passos firmes até Douglas e, à
queima-roupa, esvaziou o cartucho da pistola, ferindo o rapaz na
cabeça, no braço, na barriga.
Em instantes, a padaria esvaziou, o corpo caiu, as portas de
aço desceram. Os amigos mais
próximos ficaram na calçada,
chorando. Embora estivessem no
local na hora do crime, diziam
não ter visto nada. "Foi acerto de
contas", um comentava com o
outro. O assassino não roubou
nada. Matou e foi embora.
Por baixo da porta de aço que
escondeu o corpo dos olhares curiosos até a chegada da perícia
técnica, um fio de sangue escorria
para a calçada onde estavam os
amigos. Formou uma poça
vermelha.
Na frente, na tradicional pizzaria da Vila Sabrina, a Berlim, as
mesas estavam todas ocupadas. O
bom chope que lá se serve corria
solto, como sempre.
SILAS SILVA FONSECA, 17
O celular toca no bolso do adolescente Silas Silva Fonseca, 17, minutos depois de ele morrer com
um tiro nas costas e outro na perna, em Diadema, na Grande São
Paulo.
O policial militar, depois de
constatar que não havia mais
chance de socorrê-lo, atende. Do
outro lado da linha está o verdadeiro dono do aparelho, que acabara de ser roubado.
Para a polícia, o jovem assaltou
o dono do celular e, não satisfeito,
tentou roubar outra pessoa, que
reagiu, matou o assaltante e fugiu,
sem ser identificado.
O dono do celular é o ajudante
Paulo Alexandre Kaufmann, 22.
Ele contou aos PMs que, por volta
das 23h30 de anteontem, estava
com seu Corsa branco em uma
praça do Jardim Nazaré, bairro de
classe média de São Bernardo do
Campo, quando dois rapazes em
uma moto o abordaram e anunciaram o assalto.
O ladrão da garupa estava com
uma mochila térmica de entregador de pizza e ameaçou Kaufmann, que entregou o carro e o telefone celular.
Os ladrões fugiram, mas o Corsa não andou muito. Alguns metros depois, parou por causa de
um bloqueador acionado pela vítima. Segundo a PM, os ladrões
pegaram de novo a moto e rumaram para Diadema, onde, por volta da 0h30 de ontem, o adolescente foi baleado.
O local é uma rua residencial.
Fonseca caiu em frente a um sobrado. Ao lado dele, a polícia encontrou uma moto e uma mochila térmica de entregador de pizza.
Também encontrou cápsulas de
pistola ponto 40.
JOSÉ MESSIAS FERREIRA, 36
Foi no Cantinho do Céu, bairro da
periferia sul de São Paulo, na
região do violento Grajaú, que a
polícia encontrou o corpo de José
Messias dos Santos Ferreira,
assassinado com cinco tiros no
rosto.
O delegado Paulo Sérgio, do
101º DP, disse que a polícia ainda
não tinha informações sobre o caso nem testemunhas. "É o famoso
"ninguém sabe, ninguém viu'",
disse.
REGINALDO FRANCISCO LOPES
Às 23h50 de sábado, Reginaldo
Francisco Lopes foi ferido a tiros
em Carapicuíba, na Grande São
Paulo. Ele chegou a ser socorrido
no pronto-socorro da cidade, mas
não resistiu.
ANÔNIMO 1
Sem documentos, a polícia encontrou um homem branco, aparentando 25 anos, jogado no
chão, uma bala na cabeça, na rua
Lourenço Saporito, 66, no Campo
Limpo, zona sul. Eram 5h30 de
domingo. Os policiais militares
ainda tentaram salvá-lo, levando-o ao Hospital Municipal de Taboão da Serra, mas o rapaz morreu logo depois.
ANÔNIMO 2
Na zona leste, rua Teodoro Lourencini, altura no número 283, a
polícia encontrou um homem
morto com quatro tiros. O crime
aconteceu às 4h de sábado.
ANÔNIMO 3
O casal estava deitado no quarto
do barraco, na viela Luís Lopes
Coelho, favela de Paraisópolis
(zona sul), quando um grupo de
homens armados entrou. Sob a
mira das armas, o homem foi levado para o quintal e morto. A Secretaria da Segurança Pública não
divulgou o nome da vítima.
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