São Paulo, sexta-feira, 24 de novembro de 2000

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"Tudo o que consegui foi na base do choro", diz Adriana

DA REPORTAGEM LOCAL

"Na base do choro." Foi assim que Adriana Davini, 33, conseguiu alguma atenção dos funcionários chilenos e "benefícios" como ser levada para o melhor lugar da prisão, uma casa em meio aos pavilhões habitada por mulheres traficantes. A seguir, trechos do depoimento de Adriana, que ainda hoje quase chora ao lembrar o que passou.

Folha - Por que você foi presa?
Adriana Davini -
Toda a vez que conto essa história, fico muito incomodada. É violento ser preso num país que você não conhece, quando você não sabe por qual motivo, e vai direto para a detenção sem ter feito nada. E você tenta explicar-se e é apenas um papel para aquelas pessoas. Não é gente. É impressionante a raiva que dá, porque você faz de tudo, você se desespera para tentar mostrar que não tem nada a ver com isso. E ter de suplicar ajuda por não ter feito nada.

Folha - Você foi maltratada?
Adriana -
Não. Fui tratada como um papel. Eles diziam: "A culpa não é minha. Estou cumprindo meu dever". E eu dizia: "Mas eu também não tenho culpa de nada, e você pode me ajudar". Eu tinha a toda hora que tirar aquela fachada das pessoas e dizer "Você pode me ajudar, você trabalha com isso". E isso te bota muito no chão. O mínimo que você espera é ser respeitada. Ter que implorar para ser respeitada... Tudo o que eu consegui foi na base do choro, do drama, de fazer as pessoas olharem para mim.

Folha - E como foi na cadeia?
Adriana -
Nunca tinha entrado numa cadeia. Não sabia como era. Eu me assustei muito assim que cheguei porque me trancaram numa salinha com duas prostitutas. Um buraco. Não tinha janela, tinha barata no chão. Um lugar horrível... E eu achei que ficaria lá. E ninguém me acharia naquele buraco. Depois descobri que era a triagem. Mas até entender isso, você vai passando por coisas que vão te desesperando. O país do Pinochet, você sabe da história de repressão que teve lá... Separaram-me do Cássio...

Folha - E então?
Adriana -
Na cadeia, as guardas são meninas de 20 anos que não sabem nada, cumprem o papel. Aí, eu tive de chorar para uma delas. Falei que estava morrendo de medo, que nunca tinha passado por isso, que não tinha de estar ali. "Ajude-me, coloque-me num lugar melhor". Aí, ela me olhou e disse "pode deixar". Fui com as duas prostitutas e fomos levadas para um pavilhão, um lugar horrível, as mulheres horrorosas, lugar escuro, feio, sujo, muito sujo. Pensei que ficaria lá, mas ela me levou para outro lugar. No caminho, disse que era quase uma casa. Entrei, tinha um quintal, algumas presas se aproximaram e aí descobri que aquele era o melhor lugar da prisão. Tive sorte, porque eu pedi aos policiais do aeroporto que me colocassem num lugar melhor, e eles não falaram. Então, fui eu que consegui ficar num lugar melhor, como fui eu que consegui ser solta.

E o que você pretende fazer?
Adriana -
Eu quero ser ressarcida de alguma coisa. Eu paguei muito dinheiro, perdi viagem, fui presa sem ter feito nada por um erro burocrático. Alguém errou, e eu tive de pagar por isso. É muita injustiça. Passei maus bocados. Traumas, fiquei sem dormir. Fiquei com medo, o mais puro medo. Meu pai quase teve um ataque cardíaco porque a gente só tinha um dia para resolver tudo, senão eu ficaria o fim-de-semana inteiro na cadeia. Estraguei tudo por não ter feito nada. A sensação ruim é isso: eu não fiz nada.

Folha - E o consulado brasileiro?
Adriana -
Era feriado no Brasil, e tinha uma moça muito inexperiente no plantão que só disse ao Cássio que não tinha ninguém lá e tinha que esperar até o dia seguinte. A sorte é que meu pai conhece diplomatas e foi assim que o cônsul foi avisado, mas já no dia seguinte. Acho que a única participação deles foi em adiantar a minha ida ao tribunal, porque eu só iria no dia seguinte. Se ele tivesse sido informado no mesmo dia, acho que poderia ter evitado minha ida para a prisão. (FL)


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